sábado, 19 de junho de 2010

Oriente-Ocidente



Quando, em 2007, o concurso Miss Universo foi aclamado como a disputa do ano de preferências asiáticas, percebemos como a memória de curto alcance apaga acontecimentos midiáticos recentes. Ninguém mais se lembra do passado de poucas décadas atrás; e o acontecimento atual, que é pastiche de outro anterior, parece inédito em nossa amnésia histórica.



Embora a polêmica coroação de Riyo Mori, Miss Japão, somada à presença indiscutível da sul-coreana Honey Lee entre as finalistas, indicasse uma clara tendência “orientalizante” nas escolhas das premiações (isso tudo, sem levar em conta o título de Miss Simpatia destinado à China e o de Miss Fotogenia que parou nas mãos das Filipinas; além de outras presenças no top, como Tailândia e Índia), este não foi, definitivamente, o ano asiático por excelência, no universo do concurso Miss Universo.

Menos de duas décadas antes, em 1988, o concurso foi realizado em Taiwan e, em um impactante espetáculo feito de danças populares chinesas – que construíam cenários humanos capazes de mimetizar gigantescas flores, dragões em movimento e vôos de borboletas – a opção por orientais chegou a limites bastante contestados pelas delegações de outros continentes, e superiores à tendenciosa escolha de 2007.



Em 1988, se no Top 10 já havia um número privilegiado de garotas com olhos puxadinhos para os parâmetros tradicionais da competição (aspecto digno de festejos, não fosse o concurso realizado onde foi, sob suspeita, portanto, de politização), fato capaz de surpreender as próprias concorrentes, que não mais esperavam ser convocadas devido ao excesso de asiáticas escolhidas para as semifinais, a coisa esquentaria muito no decorrer dos desfiles.

Num ano em que os cabelos armados e repicados dos anos 80 deram o tom das memoráveis imagens da moda de então, e que seria também muito lembrado pelos inenarráveis vestidos que beiravam o camp, todas as orientais presentes no Top 10 foram também selecionadas para o inédito Top 5 dominado pela Ásia.



Assim, Tailândia, Coréia do Sul, Japão e Hong Kong ocuparam o Top 5 com a elegância comedida da beleza representante da região do Sol Nascente. Para além destes resultados impressionantes (apenas a Miss México ousou desafiar o coro e capturar uma vaga entre as finalistas), também a ilha de Guam abocanhou o prêmio de Miss Simpatia. Se houve um ano asiático, não foi 2007, mas 1988.

Curiosamente, a coroa foi destinada à jovem com os traços faciais mais ocidentalizados, dentre as finalistas. Porntip Nakhirunkanok, Miss Tailândia de nome impronunciável que foi adaptado para a mídia ocidental para o não menos difícil apelido de P´Bui, frustrou os planos dos que esperavam a vitória de uma oriental típica. Venceu uma moça do Oriente, mas sua beleza era, paradoxalmente, um tanto mestiça.



A escolha de uma asiática de feições mais “brandas” foi coisa bastante reveladora das contradições que regem o mundinho dos concursos, especialmente em um certame que pareceu ter sido conduzido por opções políticas tão definidas – embora contasse com ilustríssimas figuras como Valentino entre os jurados.

Para se ter uma idéia do acirramento das disputas entre Oriente e Ocidente, neste ano, a Miss Japão, Mizuho Sakaguchi (4ª. colocada), respondeu de forma categórica e bélica em sua entrevista ao estilo Pearl Harbor (resposta tão comentada internacionalmente, que fez com que Mizuho fosse comparada, ironicamente, a uma PhD pela Revista Manchete que cobria o concurso na época – em apenas meia página, sinal da decadência do concurso e, junto com ele, da revista).

Perguntada sobre a diferença entre a literatura americana e a literatura japonesa, a Miss Japão não titubeou e respondeu, firme: “É uma diferença de 1000 anos. Favorável ao Japão!” Está aí uma miss que, parece, preferiu outras leituras ao caricatural Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry.

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