As Torres Gêmeas
Se há algum espelho da História presente nos concursos de miss, ele certamente não reflete, com mero embelezamento, os fatos. Os horrores vividos no tempo histórico são, um a um, convocados e trazidos à passarela – mas sempre pelo viés do absurdo, ou da ironia.
E foi assim, com esgares de absurdo e de ironia, que Osama bin Laden teve que esperar pelo cabalístico número de 7 anos para ver espelhada, nos concursos de miss, a sua grandiloqüente performance multimidiática de desmoronamento dos falos duros da economia estadunidense.
Quando a negra Cristle Stewart (que passara anos lutando e sendo derrotada em concursos menores para chegar, enfim, a carregar a faixa USA) caiu de bunda no chão do desfile de trajes de gala do Miss Universo 2008, fazia aproximadamente 7 anos que as torres gêmeas haviam desabado.
Não por acaso (o espírito do tempo brinca tão sorrateiro com essas ironias!), no ano anterior, durante o mesmo desfile de EG (Evening Gown Competition) do Miss Universo 2007, outra afro-descendente norte-americana havia derrubado suas reais chances de vitória ao espatifar-se, também esquentando as nádegas, na fase mais elegante do concurso.
Ela era Rachel Smith, uma simpática Miss Tennessee que Donald Trump elegeu Miss USA. E que garimpou, mesmo após sua dolorosa queda (seguida de um emblemático sorriso digno de nota – mesmo com o derrière latejante –, após a rápida levantadinha), uma aguerrida classificação para as finais (ou Top 5).
Tudo isso ocorreu sob constrangedoras vaias de uma multidão presente na platéia – e que assistira a sua fraca candidata parar no Top 10, perdendo a vaga justamente para a decaída Smith. Os anfitriões mexicanos que, para além do ódio ao país vizinho (cultivado por razões econômicas óbvias, que envolvem muros nas fronteiras e clara xenofobia latina), protagonizaram uma das melhores demonstrações de rejeição à era Bush Filho, em rede mundial de TV aberta.
No ano seguinte, quando Cristle Stewart despencou, os jurados não foram tão lenientes. Afinal, estávamos do Vietnam – e não pega bem, justo ali, ser condescendente com o peso da faixa USA. A moça parou no Top 10 (a fraquíssima Miss Vietnam já tinha interrompido as esperanças no Top 15), metaforizando a melancólica queda da segunda torre de 11 de setembro de 2001.
Quando a primeira caiu, ficamos estarrecidos com o acontecimento. Quando a segunda, de modo simétrico, mostrou como a realidade pode verdadeiramente copiar a ficção (sobretudo o cinema!), não imaginávamos poder ver um incômodo repeteco, diante do mundo via NBC, e agora tão divertido, nas passarelas mais fúteis da mídia contemporânea.
Como escreveu Jean Baudrillard sobre as Twin Towers (Donald Trump também tem suas duas torres luxuosas): “Imaginem se elas não tivessem desabado, ou que apenas uma delas desabasse, o efeito não seria de modo algum o mesmo. A prova gritante da fragilidade da potência mundial não teria sido a mesma”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário