sábado, 19 de junho de 2010

Guerra Fria: USA x URSS

Durante os anos de Guerra Fria, seja por boicote ou por absoluta descrença nos valores alinhados à cultura de massa estadunidense, não houve confrontos entre Estados Unidos e União Soviética nos concursos para Miss Universo. A URSS não enviava candidatas e era muito raro que um país ligado à Cortina de Ferro comunista também o fizesse.



Quando isso ocorria, entretanto, era ocasião para que o concurso sublinhasse e valorizasse tal presença. E a Miss Polônia de 1986, Brygida Bziukiewicz, como exceção que era, tomou então diversos sustos quando foi convocada para as listas do Top 12 e do Top 5, no ano da vitoriosa Barbara Palácios, da Venezuela.

A loira polonesa que, por não conhecer a língua inglesa demorou bom tempo até perceber que estava selecionada para as semifinais (ela aplaudia tranquilamente quando a câmera a flagrou – agia como se outra candidata tivesse sido chamada por Bob Barker), acabou o concurso na 4ª. colocação.

Tamanha era a distância entre o Leste Europeu e os frívolos concursos de beleza.



Foi apenas em 1989, com a abertura política visando transparência (Glasnost) e a reconstrução econômica (Perestroika), ambas operadas pelo governo de Mikhail Gorbachev, que a URSS elegeu sua primeira miss. Ainda que não tenha participado do concurso Miss Universo daquele ano, esta coroação foi celebrada com imagens festivas, transmitida para todo o mundo via CBS, com um certo pendor de alívio.

O comentário subliminar era: “eles demoraram, mas reconheceram enfim que nossas instituições são melhores; agora eles também têm uma miss!”. A transmissão destas imagens, como destaque na programação televisiva, configurava com clareza também uma celebração de vitória americana na Guerra Fria contra os renitentes soviéticos. Era a vitória do poder brando, midiático, sem a necessidade de intervenções militares.

Mas, somente em 1990, com o retorno da Tchecoslováquia ao concurso e com a primeira aparição de uma Miss URSS, Evia Stalbovska, é que a tentativa de integração de fato se deu. Para não fugir à regra, o destaque foi dado a ambas as concorrentes. A soviética mereceu breve comentário por parte dos apresentadores (a câmera a destacou entre as 71 concorrentes, sob pedido de aplausos feito pela hostess Leeza Gibbons) e a tcheca Jana Hronkova figurou entre as semifinalistas do Top 10, ainda que com as médias mais baixas possíveis, em seus scores.



Para culminação da crise soviética, sua última aparição sob esta denominação se deu em 1991, com a problemática e belíssima Yulia Lemigova. Com uma elegância pouco afetada e uma simplicidade comovente, Yulia se destacou e terminou a competição na terceira colocação, em um dos Top 3 mais acirrados e surpreendentes da história do Miss Universo.

A história trágica de Lemigova, na sequencia, metaforiza o despreparo dos russos para a vida endinheirada. Casada com o banqueiro Edouard Stern, encontrado morto após uma malfadada sessão de sexo sadomasoquista (o corpo estava com roupas de látex), em seu apartamento de Genebra em 2005, ela também perdeu o seu filho aos 5 meses de idade. Ao que parece, uma babá búlgara o espancou e o deixou com ferimentos letais nos órgãos internos. Lemigova herdou uma fortuna, e muita tristeza.



Em 1992, já não existia mais URSS. Uma miss da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), Lidia Kuborskaya, representou sem êxito a antiga potência militar, que estava agora à beira do colapso. Neste ano, Hungria, Bulgária, Polônia estiveram presentes, com desistência da Iugoslávia.

A partir do ano seguinte, os estados independentes da ex-União Soviética ganharam território próprio no concurso: Estônia em 1993, Rússia em 1994 e Ucrânia em 1995; mas isso não significou reconhecimento internacional imediato de seus povos. Para participar do concurso de 1994, a russa Inna Zobova ficou detida, segundo a agência Reuters, por 15 horas seguidas em uma sala sem janelas no aeroporto de Bangkok, por falta de documentação necessária, antes de seguir para Manila, onde ocorreria o concurso.

As diferenças culturais e certos acirramentos subliminares entre antigos rivais ecoaram ainda por bom tempo, mesmo após o fim da Guerra Fria: quando, em 2002, Oxana Fedorova foi declarada a primeira russa vitoriosa no concurso Miss Universo, a aparente reaproximação dos mundos pouco ou nada durou. Por priorizar razões pessoais (e sob falsa acusação de gravidez), Oxana teve dificuldades para cumprir as exigências de sua agenda como Miss Universo e foi destronada – figurando até hoje como a única Miss Universo destituída da história.



Coincidências à parte, Oxana Fedorova – que venceu de cabo a rabo todas as etapas do concurso que disputou – foi substituída por Justine Pasek, uma representante do submisso canal do Panamá, país que é historicamente um território de dominação americana inquestionável. Desde então, e até hoje, não tem sido fácil o sucesso das russas nos concursos de Donald Trump.

Tirando a sorridente Vera Krasova, quarta colocada em 2008, nenhuma outra passou ao Top 5, desde Fedorova. Sofia Rudieva, uma das favoritas nas preliminares de 2009, evocada por sua “beleza russa perfeita por diversos especialistas”, sequer figurou no Top 15 (talvez por ter tirado fotos eróticas e parecer pouco afeita aos compromissos exigidos à detentora da coroa).



A possibilidade de redenção está agora nas mãos de Irina Antonenko. A exemplo de uma outra russa, Natalie Glebova, eleita Miss Universo ao representar o Canadá em 1995, Irina apresenta uma daquelas “belezas perfeitas”, que só não alcança as primeiras posições se houver algum tipo de intervenção política.

Nos concursos de uma organização secundária, de menor envergadura, intitulada Miss World, a Rússia não sofre tantas desventuras: venceu em 2006 com Ksenia Sukhinova e também em 1992, com Julia Kourotchkina. Mas o Miss World é uma organização inglesa, não norte-americana.

Isso, para os ares vindos da Guerra Fria, faz toda a diferença. Ainda hoje, uma russa vencer representando o Canadá soa mais natural do que o bombástico som russo sendo declarado vencedor.

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