sexta-feira, 18 de junho de 2010

E as coroas continuam submissas na Venezuela...

Na noite de 21 de maio de 1993, quando a venezuelana Milka Chulina, até então uma das francas favoritas ao título de Miss Universo, inflamou-se de forma incomum para responder a uma pergunta de caráter político, feita a ela no Top 6 do concurso (depois, no Top 3, ela ainda respondeu a outra perguntinha mais leve, mas também de modo veemente), manifestou uma forte e eloquente defesa da necessidade da democracia, em seu país.

E não o fez por acaso. Eram tempos difíceis, aqueles.



Ela, claramente, se referia ao impeachment do presidente Andrés Perez, decidido pelos tribunais da Venezuela na véspera de sua fala. Parecia ter, no discurso, vaga esperança de que o ato de deposição presidencial significasse a abertura de um portal para uma nova Pequena Veneza (significado do nome Venezuela), nos novos tempos: feitos de liberdade de expressão e de superação da corrupção vigente.

Chulina estava equivocada!

Não demoraria mais do que 5 anos até que, em 1998, o autoritarismo voltasse a rondar como fantasma a vida política de seu povo. Desta vez, com a figura esquerdista de Hugo Chávez, eleito para colocar em prática as suas popularíssimas missões bolivarianas – ações sociais que tiveram, de fato, forte impacto para a redução das descabidas diferenças econômicas históricas entre a elite e os trabalhadores.

Tudo isso, à custa de uma mão política pesada e mesmo pouco democrática – em sentido estrito. Isso já se podia sentir à época da eleição, quando o furacão Chávez engoliu as potencialidades políticas da Miss Universo 1981, Irene Saez, ativista e socióloga que chegou a governar a província de Nova Esparta e a prefeitura de Chacao.

Mais uma miss com boas intenções não consegue salvar a Venezuela do populismo egóico típico das ditaduras latinas...



Chávez, após a vitória, aproveitou-se da extrema popularidade com que levou a cabo seu governo e as ações assistencialistas de combate a doenças e de erradicação do analfabetismo, e, com isso, conseguiu prorrogar, até aqui de modo indefinido, o seu mandato. Sob forte traço de caráter autoritário, censurou meios de comunicação oposicionistas e levou à prisão até mesmo juízes que emitiram sentenças desfavoráveis aos seus interesses.

Mas, diante do pequeno revés sofrido em 2010, quando a ONU finalmente se manifestou contrária às suas ações totalitaristas, Chávez (sabedor do uso da política de pão-e-circo) se reaproximos das popularíssimas misses da quinta de Osmel Sousa – o mentor do concurso Miss Venezuela, mantido pelas Organizações Cisneros, junto à governista rede de TV Venevision.

Em busca de legitimidade, Chávez saiu à caça de ícones midiáticos favoráveis. Não demoraria a chegar até as misses... Os recordes de vitórias das misses venezuelanas as transformaram em mitos e elas são, por isso, uma propaganda e tanto das boas aparências!

Sobretudo por tantas razões antidemocráticas, 2009 definitivamente não foi um bom momento histórico para que a Venezuela emplacasse o seu esperado e sonhado back-to-back, único na história do concurso Miss Universo até ali, com as vitórias conquistadas, em 2 anos consecutivos, por Dayana Mendoza (2008) e Stefanía Fernandez (2009).



Para um país que faz dos certames de beleza sua especialidade e cujos concursos são mais populares do que o futebol, esses dois triunfos mundiais corroboram uma imagem de mídia fortíssima, uma visão paradisíaca que mostra a Venezuela sob o paradigma de um bom momento, apesar da miséria e da política abusada do cala-boca. Chávez faz uso político disso e ganha trunfos com estes triunfos.

Fato mais assustador do que este no “mundo miss”, para a nossa memória brasileira, somente a macabra vitória de Martha Vasconcellos, em 1968, no mesmo Miss Universo. Em plena ditadura militar, à sombra da elaboração do AI-5, a baiana trouxe o título e, com ele, mais argumentos de que o Brasil era um “país que dava certo”, vivia seu milagre vitorioso – era amá-lo ou deixá-lo!

É a isso que deve servir uma miss?

Bom... Discursos de misses nunca foram coisas muito levadas a sério! No caso de Milka Chulina, em 1993, a articulação vibrante “da Miss Venezuela que mais havia sofrido intervenções cirúrgicas em toda a história” teve, evidentemente, efeito nulo. Tanto para sua candidatura a Miss Universo (a coroa foi parar na cabeça da porto-riquenha Dayanara Torres – quem mandou meter-se com assuntos sérios?), quanto para a trajetória política de seu país, fadada, até aqui, ao centralismo repressor.

E as coroas continuam submissas à ordem truculenta da política latina.

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