domingo, 12 de setembro de 2010

A possessão da faixa pesada porto-riquenha



Quando, em 2010, Mariana Paola Vicente chega ao concurso Miss Universo como favorita, alcança sua pré-classificação apesar da ousadia de apresentar cabelos rebeldes, e deixa a todos insatisfeitos por não passar do Top 10 – esperava-se dela ao menos que fosse até o Top 5, como fizeram as últimas porto-riquenhas pré-classificadas, é porque o peso da faixa de Porto Rico se tornou inegável.

Isso, é claro, foi conquistado com o suor de uma ação lentamente como uma construção histórica. Pois não foi apenas a transferência de renda, aumentada drasticamente a partir de 1970 (chegando a configurar 20% da riqueza pessoal vinda diretamente do governo federal norte-americano), que criou e estimulou uma relação de dependência econômica absolutamente ambígua para o Estado Livre Associado de Porto Rico, em relação aos EUA.

Os interesses estratégicos norte-americanos na região do Caribe também presentearam sua possessão com a primeira Miss Universo, Marisol Malaret, exatamente deste mesmo ano de 1970. Até então, Porto Rico sequer havia classificado uma candidata para semifinais, tendo uma participação mais do que discreta – com um único prêmio de Miss Simpatia para Mapita Mercado, em 1957.



E, de 1970 para cá, as coisas mudariam bastante. Primeiro, porque a relação de dependência econômica dos porto-riquenhos em relação ao estado se ampliou vertiginosamente. Embora a indústria da menor ilha dentre as quatro Grandes Antilhas seja bastante diversificada e vetor de forte investimento por parte dos EUA, há uma situação perversa que alimenta uma situação de permanente dependência – já que 30% dos empregos chegam a ser oferecidos pelo governo estadunidense, a quem Porto Rico ainda pertence, ainda que de forma semi-autônoma.

E, segundo, porque os signos de fortalecimento das aparências têm se ampliado na mesma medida em que se deseja calar qualquer sensação de insatisfação política que busque a independência. Em 3 ocasiões, o povo porto-riquenho votou em plebiscitos que definiram a continuidade da relação de dependência política. Neste sentido, os investimentos na indústria de entretenimento fizeram radical diferença para a constituição de uma auto-imagem melhorada em relação ao fato de que, apesar de ter a melhor situação financeira do Caribe, o país ainda tenha produção de renda inferior à metade da do estado norte-americano mais pobre.



No campo do entretenimento alienante, não só o Menudo (grupo musical/boy-band de onde surgiu Ricky Martin e que foi fenômeno de venda de discos nos anos 1980), mas também as misses começaram a figurar em primeiro plano, de forma pesada, transformando Porto Rico em uma grande potência do Mundo Miss. Não coincidentemente, junto com a explosão do Menudo, a ilha conseguiu alcançar novamente o posto principal do Miss Universo, com a vitória (para muitos injusta) de Deborah Carthy-Deu, em 1985.

A escalada de importância dos concursos vai se dando de forma gradativa, a partir de 1993, com a também surpreendente vitória de Dayanara Torres no Miss Universo. Configurando nova realidade midiática, Porto Rico entra para o primeiro escalão do mundo. De lá pra cá, em 18 competições, as misses Porto Rico classificaram-se em 11 edições.



Era a maquiagem que modificava o campo das aparências do pequeno país (em crise financeira e dependência política) em potência na produção de ícones pop latinos. Os concursos de beleza se tornaram febre nacional (votações na internet garantiram 5 prêmios de Miss Fotogenia em 6 anos, de 1999 a 2004) e a participação competitiva ganhou outro status.

As vitórias de Denise Quiñones em 2001 e de Zuleyka Rivera em 2006 lançaram Porto Rico às alturas da Venezuela e dos EUA. Além delas, divas mundiais, também Cynthia Olavarria conquistou o segundo posto em 2005 e foi aclamada como uma das melhores misses de todos os tempos, tendo perdido para a inquestionável Natalie Glebova.



Mas os bons resultados eram ainda mais evidentes: Joyce Giraud em 1998 e Alba Reyes em 2004 foram terceiras colocadas; Mayra Matos Perez, em 2009, e Laurie Simpson Rivera, em 1987, conseguiram a honrosa quinta posição.

Para além das vitórias, a não-classificação de algumas de suas candidatas gerou verdadeira comoção entre fãs e indignação entre especialistas, que esperam sempre das representantes de Porto Rico a continuação do efeito inflacionário realizado pelo peso da faixa. Quando, em 2008, Ingrid Rivera – apontada como franca favorita ao título, ao lado da veneca Dayana Mendoza – não conseguiu pré-classificação, a incompreensão tomou sites e redes sociais, que discutiram incansavelmente o assunto.



Uma Miss Porto Rico é sempre percebida e observada com atenção, a despeito da pouquíssima, ou nenhuma, importância real da nação (colônia?) de onde vem. É resultado de um cuidadoso agenciamento de marketing político.

Se foram polêmicas as ações do FBI no arquipélago que forma Porto Rico (com assassinato de líderes rebeldes e supressão de oposição política), a produção de signos patrióticos se desdobrou especialmente a partir do ano 2000, criando uma imagem internacional bem-sucedida para um território que, apesar dos bons índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), padece de falta de autonomia e serve a interesses bélicos e estratégicos norte-americanos, que mantém a vida econômica da ilha e que, não casualmente, também são os “donos” do concurso Miss Universo.


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