segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Miss Universo e a lógica cultural do capitalismo tardio


A Organização Miss Universo, marca que o magnata Donald Trump carrega em suas mãos midiáticas desde 1996 e que foi totalmente remodelada e modernizada para responder aos novos interesses da indústria do entretenimento, é também detentora do Miss USA e Miss Teen USA. Tratam-se de concursos absolutamente alinhados à lógica cultural do capitalismo tardio, com forte apelo econômico e plano de marketing detalhadamente cumprido, para transmissão mundial a partir da emissora televisiva matriz (de início, a CBS; atualmente, a NBC).

Um rigoroso planejamento se cumpre, conforme os interesses de patrocinadores que buscam expandir internacionalmente as fronteiras de seus produtos. As cidades-sede do certame são escolhidas com suficiente antecedência e respondem a uma longa agenda de exigências, para que o espetáculo possa alcançar os parâmetros mínimos definidos por aqueles que têm a sua marca exposta mundialmente. De início, quando o concurso pertencia à empresa de roupas Pacific-Mills, os maiôs Catalina centralizavam a propaganda. Atualmente, muitas marcas dividem seu espaço ali, assumindo a beleza das concursantes como vitrines para produtos como CHI (para cabelos), Sherri Hill (vestidos) ou Mikimoto (design de jóias).



Entretanto, mais do que o fenômeno espetacular patrocinado, que em nada se diferencia de outros eventos de mídia, está na absoluta incorporação de valores do capitalismo competitivo que caracterizam o ponto nevrálgico da coisa. Desde a competição deliberada, que anseia por promover a figura que individualmente se destaca das demais, até a elegia descarada aos valores do consumismo desenfreado, o concurso é uma Babel que visa a promoção do sentido mais profundo da lógica liberal, das suas estratégias de lucro mais safadas até a sofisticada produção de matéria simbólica, em sua ideologia narcísica e diferenciadora dos que podem consumir.



A partir de 2008, Las Vegas tem sido escolhida como sede do concurso Miss USA e, diante das dificuldades em superar a crise econômica mundial – cidades da Croácia, da Bolívia e até da china tentaram, mas esbarraram no pesado investimento –, também o Miss Universo se realizou na cidade dos sonhos do capitalismo em 2010. Em seus resorts e cassinos de primeira linhagem, a vida de sonho levada pelas misses durante seu breve encanto de Cinderela é apresentada ao público em sua máxima dimensão de glamour e de luxo desenfreado. A cidade aparece com seus luminosos vertiginosos e as misses passeiam exaustivamente, para mostrar espetáculos, restaurantes, lojas, piscinas e demais acessórios destes hotéis de altíssimo padrão.



Os valores disseminados ali são os que sublinham a necessidade do turismo de compras e de jogatinas, ficando para segundo plano o aspecto cultural que a experiência de uma viagem pode provocar. O que se deseja mostrar é o funcionamento no interior dos grandes resorts, com seus aquários de tubarões, seus shows, suas construções monumentais que imitam e substituem, com o efeito de pastiche, cenários virtuais e/ou kitsch que mimetizam a aparência de grandes civilizações da Antiguidade Clássica, por exemplo. Os salões de jogos e a futilidade das escadas rolantes desempenham papel central e configuram uma imagem de felicidade absolutamente atrelada ao consumo.



Quando os concursos acontecem na Ásia (onde há uma tara fanática por competições de auditório de todo tipo, especialmente as de beleza), tenta-se maquiar o traço consumista fabricando uma superfície que aparenta ser uma experiência cultural, intelectual ou espiritual. As misses vão aos templos tailandeses com vestidos curtos, brincam com animais exóticos vietnamitas que só existem em zoológicos ou passeiam pelas praias de Cingapura como se vivessem em um filme de aventura. Em tudo, o concurso cria uma grande mentira para satisfazer as estratégias de marketing. Para dar conta da maratona, as misses dormem em média 4 horas por noite e tem compromissos em todos os períodos do dia.

Durante a transmissão do concurso, clipes que visam amplificar o alcance turístico da cidade-sede são mostrados incessantemente – com passeios da Miss Universo que ora se despede da coroa e toda uma parafernália que faz a vida parecer uma eterna brincadeira durante as férias, em um filme de adolescentes gringos. Fora isso, há a aposta da indústria fonográfica, com apresentações de grandes nomes que ali despontam mundialmente. Em 2008, Lady Gaga cantou para os desfiles vitoriosos de Dayana Mendoza e Taliana Vargas. Ricky Martin, Gloria Stefan, RDB e os projetos de alta vendagem já estiveram presentes em concursos anteriores.



Em algumas edições, a simples presença de Billy Bush como apresentador da noite fornece indícios bem fortes do significado pleno do concurso para a construção de imagens pop do presente. Billy Bush, sobrinho de George W. Bush e neto do Bush-pai, ambos ex-presidentes dos Estados Unidos e vorazes representantes dos interesses financeiros mais detestáveis que se tem notícia, emerge em cena como um simpático hostess que conduz a menina escolhida até a sua coroação final. É a consagração extática da superação individual, da batalha vencida exclusivamente pela melhor, pela mais bela, pela mais desejável representante comercial que se possa imaginar, a Miss ideal de todo o Universo.

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