Quando a mais bela perde!
A fotografia que se tornou emblemática após os primeiros momentos da coroação da mexicana Jimena Navarrete como Miss Universo 2010 mostrava absoluta surpresa, como se dissesse, irônica e envergonhada, com sua expressão facial: “Perdoem. Não sou a melhor, mas isso é o que temos para hoje!”
Jimena esteve sempre apontada como uma das melhores de todo o concurso, mas o supremo favoritismo da irlandesa Rozanna Purcell – inexplicavelmente abatida no Top 10 após um desfile de vestido de gala, quase unanimemente notado como o mais sofisticado da noite – era percebido como superioridade inquestionável pela maioria das candidatas.
Qualquer resultado que não trouxesse a européia como vitoriosa seria tomado como surpreendente ou, na pior das hipóteses, construído nos bastidores por interesses alheios à disputa. Rozanna não tinha um corpo perfeito, mas passou pela prova de maiô ilesa e não fazia sentido algum ser abatida na prova em que merecia a maior nota.
Está aí um fato bastante comum na história dos concursos: muitas das melhores candidatas sequer chegam às finais, inexplicavelmente. As bolsas de apostas entram em polvorosa quando algumas delas sequer chegam a fazer parte da primeira seletiva. É verdade que muitos jurados da noite final não são especialistas da área de moda, cosméticos ou da indústria da beleza, mas uma miss promissora não passar das preliminares é fato que suscita as piores suspeitas.
Em 2009, a russa Sofia Rudieva nem fez o Top 15, à semelhança de Karla Carrillo – Miss México previamente apontada como séria concorrente à coroa. O jogo das compensações, entretanto, costuma atuar de modo perverso. E talvez ele, e somente ele, possa explicar as razões da vitória da bonita, mas não imbatível, Jimena.
No jogo de compensações, o mundo teve que engolir a vitória da vesga Ryio Mori em 2007 sobre a brasileira Natália Guimarães e sobre a coreana Honey Lee. No ano anterior, a japonesa Kurara Chibana, aclamada como a melhor da noite, viu a coroa ir parar na cabeça da porto-riquenha Zuleyka Rivera. Sua sucessora japonesa foi compensada.
Contudo, basta observar mais atentamente o rosto de Zuleika no memento de coroação de Ryio para perceber sua "leve" displicência quando, mal-humorada com o resultado absurdo, derruba a coroa da cabeça da sucessora.
Mas, possivelmente, também a vitória de Zuzu deva ser explicada pelo jogo de compensações tardias. No ano anterior, a belíssima Miss Porto Rico Cynthia Olavarría ficou em segundo lugar, ao perder para a canadense Natalie Glebova. Aqui não se pode dizer que houve injustiça, pois ambas tinham plenas condições de vencer, especialmente porque estiveram exuberantes na noite final.
O assunto não é novo. Na década de 1990, a conquista da coroa pela Namíbia, em 1992, com Michelle McLean, quando concorria a venezuelana Carolina Izsak, é incompreensível. Em 1993, a porto-riquenha Dayanara Torres ter vencido Milka Chulina é fato eternamente lamentado, e somente compreendido quando se observam as notas ministradas pela compatriota Maria Conchita Alonso dadas a Milka Chulina – comenta-se que por desavença com Osmel Sousa.
Nos anos 1980, a derrota da espanhola Tereza Sánchez López para a porto-riquenha Deborah Carthy-Deu é outra daquelas aventuras que, para serem descritas, precisam contar com a ausência de lógica como aliada da narrativa. As notas relativamente baixas de Carthy-Deu durante a noite final apenas corroboram a incompreensão deixada no ar, especialmente porque a Miss Espanha era sobretudo muito mais simpática do que a vencedora.
Trata-se de mais um dos concursos em que as notas medianas acabam levando uma miss menos brilhante às finais, com reviravolta no resultado final, diante da miss radiante de melhores notas na noite. A australiana Rachael Finch ter sido derrotada por Stefanía Fernandez em 2009 é coisa parecida. A venezuelana chegou ao Top 5 com a pior nota e sobressaiu-se, por fim, mesmo com uma resposta sem graça em sua Final Question.
Também no Brasil essas comuns injustiças acumulam-se, através das décadas. O caso emblemático é o da derrota de Adriana Barcellos, Miss Amazonas 1981, para a sua xará gaúcha (concorrendo pelo estado carioca) Adriana Alves de Oliveira. Um pouco mais pesada que sua rival loura, Adriana parecia ter garantido a vitória, quando o revés levou ao Miss Universo a bela Adriana Alves de Oliveira (Quarta Colocada no Miss Universo daquele ano).
Neste ano, tudo foi pior pelo despreparo de Sílvio Santos como apresentador de concursos. O SBT estava inaugurando e tinha comprado recentemente a marca do concurso Miss Brasil. No ar, buscando audiência a qualquer preço, Sílvio Santos teve o desplante de fazer a Miss Amazonas sentar no trono de vime antes do resultado final, tamanho o seu favoritismo, coroando posteriormente a outra candidata. Trata-se de um dos maiores vexames das transmissões de concursos que se tem notícia.
Por razões assim, há toda uma galeria de Misses Universo que venceram por razões discutíveis, colaborando para a perda de prestígio do certame. Especialmente na era de Donald Trump, os resultados têm se mostrado ainda mais manipulados. Ver, por exemplo, na organização de Trump uma miss como Morgan Woolard perder a faixa para a libanesa Rima Fakih no Miss USA é a prova cabal de que há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia de botequim.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
sábado, 18 de setembro de 2010
Há racismo na América?
Embora seja sempre estigmatizado por ter uma população altamente racista e preconceituosa em relação às diferenças culturais, os EUA mantém um dos concursos nacionais mais abertos à consagração de belezas exóticas, incomuns ou mesmo transgressora do padrão Barbie que contamina o gosto médio do norte-americano.
Talvez porque seus melhores resultados internacionais da era moderna do certame Miss Universo tenham sido conquistados justamente por misses que fogem à regra de serem loiras, de feição puritana e traços equilibradamente ocidentalizados, os parâmetros do Miss USA se modificaram sensivelmente, envergando-se como um evento político de substância arejada, realizador da inclusão integradora das diferenças.
Se nos anos 1980 ainda seria impensável uma Miss USA negra – e as morenas tinham dificuldade em conseguir pré-classificações para os tops –, nos anos 1990 o jogo se inverteu, quando a negra Chelsi Smith e a hawaiana de traços polinésios Brooke Lee sagraram-se com o título de Miss Universo em 1995 e 1997, respectivamente.
Como se sabe, isso abriu portas para que a diferença cavasse seu espaço, de modo que em 2010 foi possível até mesmo a eleição de uma libanesa de traços árabes, a alegre moça vinda de Michigan Rima Fakih – em plena era de guerra ao terror muçulmano. Rima era a única miss de cabelos negros no Top 5, diante de legítimas barbies. E venceu.
É também verdade que a péssima participação de Rima Fakih no concurso Miss Universo (tornou-se uma das 4 garotas a levar a faixa USA que não conseguiram figurar nem no primeiro top, em toda a história do Miss Universo) armou eloquente argumento contrário para a gangue dos mais conservadores e deverá desestimular, por ora, liberalidades mais radicais ainda, infelizmente.
Uma única polinésia, Macel Wilson, coroada em 1962, tinha desafiado o coro de barbies de cabelos loiros ou pretos, nos anos clássicos do Miss USA – quando 5 coroas de Miss Universo foram abocanhadas.
Mas já são outros tempos, os de agora. Donald Trump, hoje em dia, não desperdiçaria a beleza de uma mulher como a da talentosa e oscarizada atriz Halle Berry, segunda colocada no Miss USA 1986, pelo estado de Ohio. Até então, uma negra poderia chegar à beira, mas nunca vestir a coroa.
Recentemente, e talvez metaforizando a era Obama, houve vitórias consecutivas de Rachel Smith e Cristle Stewart. Infelizmente, as duas se estatelaram ao chão durante o desfile de traje de gala, como as duas torres gêmeas, em inacreditáveis dois anos seguidos do Miss Universo.
A primeira afro-americana a ser coroada Miss USA foi Carole Gist, em 1990. Foi um passo e tanto, capaz de abrir portas para Kenya Moore, em 1993, e Lynette Cole, na abertura do novo milênio, em 2000. De 2000 a 2010, 5 afro-descendentes venceram o concurso de Miss USA, como a afirmar a identidade negra em seus valores estéticos.
O caso mais emblemático foi o do concurso vencido por Shauntay Hinton, em 2002. A negra de cabelos curtos e corpo muito musculoso, completamente distinta do padrão de beleza tradicional cultivado em seu país, deslumbrou a todos e chegou a vitória em um concurso em que 4 das 5 finalistas eram negras.
Quando o apresentador começa a “chamar” o Top 5, surpreendentemente todas as negras ainda “vivas” na disputa são convocadas. Curiosamente, uma candidata entrevistada no intervalo – após este acontecimento histórico – e lança seu petardo: “Go, Kansas!”, que era então o estado da única branca do Top 5.
Shauntay Hinton também obteve a mesma péssima classificação que a libanesa Rima Fakih. Entretanto, os norte-americanos foram persistentes e elegeram em 2003 a mestiça Susie Castillo. Assim como Rachel Smith, Susie Castillo recebeu sua ascendência africana pelo viés latino porto-riquenho, de onde migraram seus familiares.
O fato é que, ano após ano, as misses étnicas conquistam marcante presença no Miss USA – transformando para melhor a visão sobre o belo, que se torna mais amplo. Que os tropeções da caminhada não impeçam a afirmação das merecidas vitórias da poderosíssima Cristle Stewart e outras que vieram e que virão.
Embora seja sempre estigmatizado por ter uma população altamente racista e preconceituosa em relação às diferenças culturais, os EUA mantém um dos concursos nacionais mais abertos à consagração de belezas exóticas, incomuns ou mesmo transgressora do padrão Barbie que contamina o gosto médio do norte-americano.
Talvez porque seus melhores resultados internacionais da era moderna do certame Miss Universo tenham sido conquistados justamente por misses que fogem à regra de serem loiras, de feição puritana e traços equilibradamente ocidentalizados, os parâmetros do Miss USA se modificaram sensivelmente, envergando-se como um evento político de substância arejada, realizador da inclusão integradora das diferenças.
Se nos anos 1980 ainda seria impensável uma Miss USA negra – e as morenas tinham dificuldade em conseguir pré-classificações para os tops –, nos anos 1990 o jogo se inverteu, quando a negra Chelsi Smith e a hawaiana de traços polinésios Brooke Lee sagraram-se com o título de Miss Universo em 1995 e 1997, respectivamente.
Como se sabe, isso abriu portas para que a diferença cavasse seu espaço, de modo que em 2010 foi possível até mesmo a eleição de uma libanesa de traços árabes, a alegre moça vinda de Michigan Rima Fakih – em plena era de guerra ao terror muçulmano. Rima era a única miss de cabelos negros no Top 5, diante de legítimas barbies. E venceu.
É também verdade que a péssima participação de Rima Fakih no concurso Miss Universo (tornou-se uma das 4 garotas a levar a faixa USA que não conseguiram figurar nem no primeiro top, em toda a história do Miss Universo) armou eloquente argumento contrário para a gangue dos mais conservadores e deverá desestimular, por ora, liberalidades mais radicais ainda, infelizmente.
Uma única polinésia, Macel Wilson, coroada em 1962, tinha desafiado o coro de barbies de cabelos loiros ou pretos, nos anos clássicos do Miss USA – quando 5 coroas de Miss Universo foram abocanhadas.
Mas já são outros tempos, os de agora. Donald Trump, hoje em dia, não desperdiçaria a beleza de uma mulher como a da talentosa e oscarizada atriz Halle Berry, segunda colocada no Miss USA 1986, pelo estado de Ohio. Até então, uma negra poderia chegar à beira, mas nunca vestir a coroa.
Recentemente, e talvez metaforizando a era Obama, houve vitórias consecutivas de Rachel Smith e Cristle Stewart. Infelizmente, as duas se estatelaram ao chão durante o desfile de traje de gala, como as duas torres gêmeas, em inacreditáveis dois anos seguidos do Miss Universo.
A primeira afro-americana a ser coroada Miss USA foi Carole Gist, em 1990. Foi um passo e tanto, capaz de abrir portas para Kenya Moore, em 1993, e Lynette Cole, na abertura do novo milênio, em 2000. De 2000 a 2010, 5 afro-descendentes venceram o concurso de Miss USA, como a afirmar a identidade negra em seus valores estéticos.
O caso mais emblemático foi o do concurso vencido por Shauntay Hinton, em 2002. A negra de cabelos curtos e corpo muito musculoso, completamente distinta do padrão de beleza tradicional cultivado em seu país, deslumbrou a todos e chegou a vitória em um concurso em que 4 das 5 finalistas eram negras.
Quando o apresentador começa a “chamar” o Top 5, surpreendentemente todas as negras ainda “vivas” na disputa são convocadas. Curiosamente, uma candidata entrevistada no intervalo – após este acontecimento histórico – e lança seu petardo: “Go, Kansas!”, que era então o estado da única branca do Top 5.
Shauntay Hinton também obteve a mesma péssima classificação que a libanesa Rima Fakih. Entretanto, os norte-americanos foram persistentes e elegeram em 2003 a mestiça Susie Castillo. Assim como Rachel Smith, Susie Castillo recebeu sua ascendência africana pelo viés latino porto-riquenho, de onde migraram seus familiares.
O fato é que, ano após ano, as misses étnicas conquistam marcante presença no Miss USA – transformando para melhor a visão sobre o belo, que se torna mais amplo. Que os tropeções da caminhada não impeçam a afirmação das merecidas vitórias da poderosíssima Cristle Stewart e outras que vieram e que virão.
Chegadas premiadas
Que o concurso Miss Universo é tomado como vitrine para estratégias diplomáticas, como um torneio capaz de abarcar as diferenças em uma “competitividade saudável”, todo mundo sabe. Emerge com mais força logo após a II Guerra Mundial e tem por função dar abrigo ao que de melhor cada país pudesse contribuir.
Dessa forma, não é de surpreender que haja uma política de boa recepção: é muito comum que um país, ao enviar pela primeira vez uma representante para o concurso, consiga uma posição destacada – com a função de sublinhar a importância desta participação e o fato de se manterem portas abertas para as novidades.
É bem verdade que isso não aconteceu com todos os países, e alguns como Malta, Bulgária, Egito, Bahamas, Portugal ou Romênia sequer conseguiram classificações em toda a sua história, até 2010. Mas esta descortesia flagrante tem menos visibilidade do que a habitual política de favorecimento, na chegada.
Alguns países ultrapassaram todas as barreiras e emplacaram, logo de partida, uma vitória em seu debut. Foi o caso de Botswana, que chegou à vitória em sua primeira participação com Mpule Kwelagobe, em 1999. Curiosamente, o título não conseguiu criar a devida regularidade de presença para o país que, embora tenha vencido de cara, tornou-se presença inconstante na década seguinte.
Mais inexplicável é o caso da Colômbia. Quando trouxe sua primeira miss, em 1958, o país coroou Luz Marina Zuluaga e nunca mais chegou ao primeiro posto, apesar do fortalecimento do concurso local e da fortíssima tradição desenvolvida a partir de então, responsáveis por fazer da Colômbia uma potência do mundo-miss. Em diversas ocasiões, as colombianas estiveram à beira da consagração, mas viram suas expectativas morrerem na beira da praia.
Mas 1958 foi um ano generoso em relação aos que aportavam: a polonesa estreante Alicja Bobrowska foi a quinta colocada; e o Suriname (país que jamais obteria novamente este feito) também alcançou as semi-finais com Gertrud Gummels. Não bastassem, também os Países Baixos foram semifinalistas e venceram o prêmio de Fotogenia para Corine Rottschaefer (era a segunda participação da faixa Netherlands, quase uma compensação pelo que não ocorrera em 1957).
Como se vê, este hábito vem dos primórdios, já na primeira década do concurso, iniciado em 1952. Ainda na primeira década são emblemáticos os casos de Guatemala (Maria Del Rosário Molina Chacón, 1955), Inglaterra (Margaret Rowe, 1955) e Marroco (Jacqueline Dorella Bonilla, 1957), todos semifinalistas.
Mas casos como o do Brasil, que em 1954 envia Martha Rocha para a competição e alcança já uma segunda colocação que se torna um assunto nacional por décadas de inconformismo devido às míticas duas polegadas amplificam a questão a uma potência singular. Como o Brasil, também o Sri Lanka, que no ano seguinte, em 1955, estreou com a segunda colocação de Maureen Neliya Hingert teve a mesma recepção, mas por lá as classificações pararam imediatamente após esta primeira grande conquista.
Na década de 1960, mais países estrearam com bons resultados, criando então a frase feita de que país novo sempre alcança posição privilegiada: em 1960, a Espanha chegou destacando-se com o imediato quinto lugar de Maria Teresa Del Río. Em 1961, foi o País de Gales que, como Brasil e Sri Lanka, traz sua primeira miss e conquista, com a segunda posição de Rosemarie Frankland, o mais alto posto de sua história (somente reeditado em 1974).
Curiosamente, Espanha e País de Gales iriam enfrentar-se diretamente em 1974, quando a inesquecível Amparo Muñoz levou a melhor sobre a galesa Helen Elizabeth Morgan numa das disputas mais acirradas de todos os tempos – devido às incomparáveis belezas das duas candidatas. Amparo foi eleita, mas ironicamente renunciou à coroa tempos depois, para se casar. Mesmo assim, não foi destituída pela organização Miss Universo.
Ainda em 1961, Escócia e Taiwan chegaram às semi-finais com as estreantes Susan Jones e Wang Li-Ling (Lily), respectivamente. Em 1962, a estréia do Haiti, com Evelyne Miot, teve o mesmo destino. Em seu segundo retorno, após abandono do concurso, em 1975, a haitiana Gerthie David chegou à segunda colocação. Mas a freqüência pouco ortodoxa do Haiti, que teve boas recepções em duas ocasiões, fez com que este privilégio fosse perdido em seus próximos retornos, em 1985 e 2010. Esperava-se que Sarojn Bertin Durocher passasse às semi-finais, apesar do sobrepeso, devido ao avassalador terremoto ocorrido meses antes do concurso. Seria um modo de dar destaque às causas humanitárias, mas a organização preferiu abster-se disso.
Também os Bálcãs tiveram suas chances de boas-vindas. A Iugoslávia de 1968, representada por Daliborka Stojsic, foi semifinalista em sua boa recepção e ainda foi brindada com o prêmio de Fotogenia. Décadas mais tarde, ao retornar ao concurso em 1991, em pleno processo de desagregação em vias de ocorrer, a Iugoslávia ainda conseguiu classificação para a semifinalista Natasha Pavlovic.
Aqui começam as sagas dos países do Leste Europeu, que se formam a partir dos anos 1990. Para além da política diplomática, também a afirmação patriótica colaborou para que estes países incentivassem a produção de ícones nacionalistas e populares, inclusive misses. Rapidamente, conseguiram destaques e posições invejáveis.
A República Tcheca chegou às semi-finais em 1993, com Pavlina Barbukova. Na década seguinte, esta faixa teria ainda bons resultados consecutivos, a partir de 2007, demonstrando a solidez do concurso local. Em 1994, a Eslováquia (Slovak Republic) unaugura suas participações indo ainda mais longe, com o Top 6 de Silvia Lakatosova. Não se pode esquecer que a estréia da Tchecoslováquia, ainda em tempos de Guerra Fria e Cortina de Ferro, em 1970, presenteou com desfiles de semi-finais a moça Kristina Hanazolova.
Alçadas à condição de ícone patriótico (basta lembrar de Martha Rocha e se tem a dimensão precisa), estas meninas realizaram, com ou sem consciência, estratégias diplomáticas importantes. É o caso de Sanja Papic, quarta colocada de 2003 representando a então faixa de Sérvia & Montenegro. Desde então, não haveria mais classificações para estes países até 2010.
Assim como apenas haveria destaque para a Letônia em sua primeira participação, com a louríssima, apelidada de “Barbie Real”, Ieva Kokorevica.
À semelhança da República Tcheca, a Albânia se destacaria posteriormente, entre os anos de 2009 e 2010 (quando as super-modelos Hasna Xhukiçi e Anxhela Martini concorreram), e, em 2002, deu a Anisa Kospiri a vantagem de primeira miss do país, logo após a consolidação de seu processo democrático.
O vizinho Kosovo, que tem excedente populacional refugiado na Albânia, criando relações de dependência e de crise, também obteve ótimos resultados, assim que se pôs a disputar o Miss Universo. Zana Krasniqi esteve no Top 10 de cara, para chegar ao altissonante terceiro posto em 2009, com a igualmente exótica Marigona Dragusha.
Fora da Europa, outros processos de abertura política se deram, na Ásia e na África. Zhuo Ling, a altíssima Miss China de 2002, superou os obstáculos de todas as espécies para cravar a terceira colocação no ano de 2002 – e chegando ao posto de primeira sucessora quando a russa vitoriosa Oxana Fedorova foi destronada, por desacordos junto à Organização Miss Universo. Era a abertura chinesa, mostrando as garras de seu inquestionável crescimento econômico e dando voz à sua imensa visibilidade no Ocidente, na contemporaneidade.
Na África, poucos países enviam misses. A miséria desvia o foco para atenções mais urgentes e são apenas primeiros os passos que trazem ao concurso países como Gana, Namíbia ou Angola. Contudo, a primeira participação da Tanzânia, em 2007, deu à careca fashion de Flaviana Matata a condição de Top 10 – ocupado, neste ano, também pela angolana Micaela Reis; Flaviana foi a sexta colocada, Micaela a sétima (a angolana teve colocação de destaque no Miss Mundo do mesmo ano).
Muitas exceções fogem a esta regra. Mas são cabais os exemplos que dão à chegada a possibilidade de figurar nos tops e posição destacada no evento de mídia, que é o Miss Universo. É prova concreta de influência política nas decisões, que fazem com que o concurso julgue muitas outras coisas, para além da beleza.
Atualmente, é sabido que existe a Trump Choice – escolha pessoal de Donald Trump para as 15 semifinalistas. Há uma ocasião, durante o concurso, em que o magnata cumprimenta todas as candidatas. Elas ficam em fila, em ordem alfabética. Uma assessora, com papel em mãos, anota todas as percepções de Trump que deixa aos jurados a missão de escolher as 9 ou 10 melhores, e dá a si o poder de definir, segundo critérios evidentemente econômicos, políticos e/ou de justificativa subjetiva, as 5 ou 6 restantes.
As pré-classificadas têm uma noite bastante diferenciada em relação às demais candidatas, que permanecem no show na condição figurantes. Apenas estas desfilam na noite decisiva (todas desfilaram antes no Presentation Show, diante do júri), nos diversos tops com roupas de gala e de banho (a cada ano, o formato sofre alguma modificação), no foco das câmeras de transmissão mundial para milhões de espectadores.
Muitas injustiças se fazem, por causa disso. Mas, segundo Trump, as coisas passaram a ser assim justamente para corrigir certas distorções que o concurso, que deve ter interesse para todo o mundo, cometia em concursos em que certo padrão de beleza se definia, sem espaço para traços étnicos ou corpos não-latinos.
De qualquer forma, a injustiça se compensa com a participação compartilhada dos diversos países, fator que dá ao concurso maior representatividade, especialmente em tempos de globalização.
Que o concurso Miss Universo é tomado como vitrine para estratégias diplomáticas, como um torneio capaz de abarcar as diferenças em uma “competitividade saudável”, todo mundo sabe. Emerge com mais força logo após a II Guerra Mundial e tem por função dar abrigo ao que de melhor cada país pudesse contribuir.
Dessa forma, não é de surpreender que haja uma política de boa recepção: é muito comum que um país, ao enviar pela primeira vez uma representante para o concurso, consiga uma posição destacada – com a função de sublinhar a importância desta participação e o fato de se manterem portas abertas para as novidades.
É bem verdade que isso não aconteceu com todos os países, e alguns como Malta, Bulgária, Egito, Bahamas, Portugal ou Romênia sequer conseguiram classificações em toda a sua história, até 2010. Mas esta descortesia flagrante tem menos visibilidade do que a habitual política de favorecimento, na chegada.
Alguns países ultrapassaram todas as barreiras e emplacaram, logo de partida, uma vitória em seu debut. Foi o caso de Botswana, que chegou à vitória em sua primeira participação com Mpule Kwelagobe, em 1999. Curiosamente, o título não conseguiu criar a devida regularidade de presença para o país que, embora tenha vencido de cara, tornou-se presença inconstante na década seguinte.
Mais inexplicável é o caso da Colômbia. Quando trouxe sua primeira miss, em 1958, o país coroou Luz Marina Zuluaga e nunca mais chegou ao primeiro posto, apesar do fortalecimento do concurso local e da fortíssima tradição desenvolvida a partir de então, responsáveis por fazer da Colômbia uma potência do mundo-miss. Em diversas ocasiões, as colombianas estiveram à beira da consagração, mas viram suas expectativas morrerem na beira da praia.
Mas 1958 foi um ano generoso em relação aos que aportavam: a polonesa estreante Alicja Bobrowska foi a quinta colocada; e o Suriname (país que jamais obteria novamente este feito) também alcançou as semi-finais com Gertrud Gummels. Não bastassem, também os Países Baixos foram semifinalistas e venceram o prêmio de Fotogenia para Corine Rottschaefer (era a segunda participação da faixa Netherlands, quase uma compensação pelo que não ocorrera em 1957).
Como se vê, este hábito vem dos primórdios, já na primeira década do concurso, iniciado em 1952. Ainda na primeira década são emblemáticos os casos de Guatemala (Maria Del Rosário Molina Chacón, 1955), Inglaterra (Margaret Rowe, 1955) e Marroco (Jacqueline Dorella Bonilla, 1957), todos semifinalistas.
Mas casos como o do Brasil, que em 1954 envia Martha Rocha para a competição e alcança já uma segunda colocação que se torna um assunto nacional por décadas de inconformismo devido às míticas duas polegadas amplificam a questão a uma potência singular. Como o Brasil, também o Sri Lanka, que no ano seguinte, em 1955, estreou com a segunda colocação de Maureen Neliya Hingert teve a mesma recepção, mas por lá as classificações pararam imediatamente após esta primeira grande conquista.
Na década de 1960, mais países estrearam com bons resultados, criando então a frase feita de que país novo sempre alcança posição privilegiada: em 1960, a Espanha chegou destacando-se com o imediato quinto lugar de Maria Teresa Del Río. Em 1961, foi o País de Gales que, como Brasil e Sri Lanka, traz sua primeira miss e conquista, com a segunda posição de Rosemarie Frankland, o mais alto posto de sua história (somente reeditado em 1974).
Curiosamente, Espanha e País de Gales iriam enfrentar-se diretamente em 1974, quando a inesquecível Amparo Muñoz levou a melhor sobre a galesa Helen Elizabeth Morgan numa das disputas mais acirradas de todos os tempos – devido às incomparáveis belezas das duas candidatas. Amparo foi eleita, mas ironicamente renunciou à coroa tempos depois, para se casar. Mesmo assim, não foi destituída pela organização Miss Universo.
Ainda em 1961, Escócia e Taiwan chegaram às semi-finais com as estreantes Susan Jones e Wang Li-Ling (Lily), respectivamente. Em 1962, a estréia do Haiti, com Evelyne Miot, teve o mesmo destino. Em seu segundo retorno, após abandono do concurso, em 1975, a haitiana Gerthie David chegou à segunda colocação. Mas a freqüência pouco ortodoxa do Haiti, que teve boas recepções em duas ocasiões, fez com que este privilégio fosse perdido em seus próximos retornos, em 1985 e 2010. Esperava-se que Sarojn Bertin Durocher passasse às semi-finais, apesar do sobrepeso, devido ao avassalador terremoto ocorrido meses antes do concurso. Seria um modo de dar destaque às causas humanitárias, mas a organização preferiu abster-se disso.
Também os Bálcãs tiveram suas chances de boas-vindas. A Iugoslávia de 1968, representada por Daliborka Stojsic, foi semifinalista em sua boa recepção e ainda foi brindada com o prêmio de Fotogenia. Décadas mais tarde, ao retornar ao concurso em 1991, em pleno processo de desagregação em vias de ocorrer, a Iugoslávia ainda conseguiu classificação para a semifinalista Natasha Pavlovic.
Aqui começam as sagas dos países do Leste Europeu, que se formam a partir dos anos 1990. Para além da política diplomática, também a afirmação patriótica colaborou para que estes países incentivassem a produção de ícones nacionalistas e populares, inclusive misses. Rapidamente, conseguiram destaques e posições invejáveis.
A República Tcheca chegou às semi-finais em 1993, com Pavlina Barbukova. Na década seguinte, esta faixa teria ainda bons resultados consecutivos, a partir de 2007, demonstrando a solidez do concurso local. Em 1994, a Eslováquia (Slovak Republic) unaugura suas participações indo ainda mais longe, com o Top 6 de Silvia Lakatosova. Não se pode esquecer que a estréia da Tchecoslováquia, ainda em tempos de Guerra Fria e Cortina de Ferro, em 1970, presenteou com desfiles de semi-finais a moça Kristina Hanazolova.
Alçadas à condição de ícone patriótico (basta lembrar de Martha Rocha e se tem a dimensão precisa), estas meninas realizaram, com ou sem consciência, estratégias diplomáticas importantes. É o caso de Sanja Papic, quarta colocada de 2003 representando a então faixa de Sérvia & Montenegro. Desde então, não haveria mais classificações para estes países até 2010.
Assim como apenas haveria destaque para a Letônia em sua primeira participação, com a louríssima, apelidada de “Barbie Real”, Ieva Kokorevica.
À semelhança da República Tcheca, a Albânia se destacaria posteriormente, entre os anos de 2009 e 2010 (quando as super-modelos Hasna Xhukiçi e Anxhela Martini concorreram), e, em 2002, deu a Anisa Kospiri a vantagem de primeira miss do país, logo após a consolidação de seu processo democrático.
O vizinho Kosovo, que tem excedente populacional refugiado na Albânia, criando relações de dependência e de crise, também obteve ótimos resultados, assim que se pôs a disputar o Miss Universo. Zana Krasniqi esteve no Top 10 de cara, para chegar ao altissonante terceiro posto em 2009, com a igualmente exótica Marigona Dragusha.
Fora da Europa, outros processos de abertura política se deram, na Ásia e na África. Zhuo Ling, a altíssima Miss China de 2002, superou os obstáculos de todas as espécies para cravar a terceira colocação no ano de 2002 – e chegando ao posto de primeira sucessora quando a russa vitoriosa Oxana Fedorova foi destronada, por desacordos junto à Organização Miss Universo. Era a abertura chinesa, mostrando as garras de seu inquestionável crescimento econômico e dando voz à sua imensa visibilidade no Ocidente, na contemporaneidade.
Na África, poucos países enviam misses. A miséria desvia o foco para atenções mais urgentes e são apenas primeiros os passos que trazem ao concurso países como Gana, Namíbia ou Angola. Contudo, a primeira participação da Tanzânia, em 2007, deu à careca fashion de Flaviana Matata a condição de Top 10 – ocupado, neste ano, também pela angolana Micaela Reis; Flaviana foi a sexta colocada, Micaela a sétima (a angolana teve colocação de destaque no Miss Mundo do mesmo ano).
Muitas exceções fogem a esta regra. Mas são cabais os exemplos que dão à chegada a possibilidade de figurar nos tops e posição destacada no evento de mídia, que é o Miss Universo. É prova concreta de influência política nas decisões, que fazem com que o concurso julgue muitas outras coisas, para além da beleza.
Atualmente, é sabido que existe a Trump Choice – escolha pessoal de Donald Trump para as 15 semifinalistas. Há uma ocasião, durante o concurso, em que o magnata cumprimenta todas as candidatas. Elas ficam em fila, em ordem alfabética. Uma assessora, com papel em mãos, anota todas as percepções de Trump que deixa aos jurados a missão de escolher as 9 ou 10 melhores, e dá a si o poder de definir, segundo critérios evidentemente econômicos, políticos e/ou de justificativa subjetiva, as 5 ou 6 restantes.
As pré-classificadas têm uma noite bastante diferenciada em relação às demais candidatas, que permanecem no show na condição figurantes. Apenas estas desfilam na noite decisiva (todas desfilaram antes no Presentation Show, diante do júri), nos diversos tops com roupas de gala e de banho (a cada ano, o formato sofre alguma modificação), no foco das câmeras de transmissão mundial para milhões de espectadores.
Muitas injustiças se fazem, por causa disso. Mas, segundo Trump, as coisas passaram a ser assim justamente para corrigir certas distorções que o concurso, que deve ter interesse para todo o mundo, cometia em concursos em que certo padrão de beleza se definia, sem espaço para traços étnicos ou corpos não-latinos.
De qualquer forma, a injustiça se compensa com a participação compartilhada dos diversos países, fator que dá ao concurso maior representatividade, especialmente em tempos de globalização.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Austrália de tempos em tempos
A Austrália é um país que deixou suas marcas no concurso Miss Universo, e particularmente em duas ocasiões: durante a década de 1970 e, bem recentemente, a partir de 2004 – quando obteve a coroa máxima. Curiosamente, apesar deste índice considerável de vitórias, a participação do país no concurso é instável e não há uma tradição instaurada de concursos locais, como acontece com potências como Venezuela, México, EUA, Colômbia ou Porto Rico (para ficar apenas nas Américas); ou em países asiáticos fanáticos como Filipinas, Indonésia, Japão ou Tailândia.
Rigorosamente, não há uma tradição constituída para a eleição das misses locais. Em alguns anos, a escolhida se deu por casting ou, até mesmo, convite deliberado pela representação que configura a delegação australiana. Em diversos anos, o país sequer enviou candidata – dando ainda mais provas de que estes concursos não são lá muito populares na Oceania.
Ainda assim, superando todas as expectativas, há épocas em que o favoritismo desponta e permanece por alguns anos, de forma bastante concentrada. Vejamos.
Até 1969, a Austrália participou esporadicamente do concurso Miss Universo e não tinha grande tradição de resultados positivos (dois resultados médios, apenas). Surpreendentemente, em 1969 e 1970, o país alcança seguidamente a terceira colocação. No ano seguinte, vai mais longe e fica com o vice-campeonato, para em seguida eleger sua primeira Miss Universo, em 1972, quando a belíssima Kerry Anne Wells venceu a atriz brasileira Rejane Vieira da Costa, na finalíssima.
Após a vitória, alguns resultados medianos esparsos vieram nos anos seguintes até o país voltar a ser plenamente um coadjuvante na disputa. Entre 1989 e 1997 – quando também esteve ausente em algumas edições, novos resultados mornos, com alguns prêmios de consolação e tops.
Mas, explosivamente, o país retorna ao topo em 2004, quando Jennifer Hawkins e seu rebolado marcante, para além da sensualidade cortante de seu vestido, superou favoritas como a norte-americana Shandi Finessey e a porto-riquenha Alba Reyes e venceu a disputa, polemicamente.
Desde então, o país vem galgando posições e, especialmente a partir de 2008, vem obtendo resultados expressivos, semelhantes às vésperas da eleição de Kerry Anne Wells. Em 2008, Laura Dundovic foi mais longe do que devia e petiscou classificações até o Top 10. Em 2009, Rachael Finch galopou até o quarto lugar (para muitos, deveria ter vencido; suas notas eram altíssimas, apesar se sua beleza ser considerada comum). Mas em 2010 Jesinta Campbell foi ainda mais longe, beliscando o terceiro posto, além do prêmio de Miss Simpatia.
Com resultados tão fortes, não surpreenderia que a força do concurso deslanchasse na ilha-continente e que, em breve, o país levasse mais uma coroa para a Oceania.
A Austrália é um país que deixou suas marcas no concurso Miss Universo, e particularmente em duas ocasiões: durante a década de 1970 e, bem recentemente, a partir de 2004 – quando obteve a coroa máxima. Curiosamente, apesar deste índice considerável de vitórias, a participação do país no concurso é instável e não há uma tradição instaurada de concursos locais, como acontece com potências como Venezuela, México, EUA, Colômbia ou Porto Rico (para ficar apenas nas Américas); ou em países asiáticos fanáticos como Filipinas, Indonésia, Japão ou Tailândia.
Rigorosamente, não há uma tradição constituída para a eleição das misses locais. Em alguns anos, a escolhida se deu por casting ou, até mesmo, convite deliberado pela representação que configura a delegação australiana. Em diversos anos, o país sequer enviou candidata – dando ainda mais provas de que estes concursos não são lá muito populares na Oceania.
Ainda assim, superando todas as expectativas, há épocas em que o favoritismo desponta e permanece por alguns anos, de forma bastante concentrada. Vejamos.
Até 1969, a Austrália participou esporadicamente do concurso Miss Universo e não tinha grande tradição de resultados positivos (dois resultados médios, apenas). Surpreendentemente, em 1969 e 1970, o país alcança seguidamente a terceira colocação. No ano seguinte, vai mais longe e fica com o vice-campeonato, para em seguida eleger sua primeira Miss Universo, em 1972, quando a belíssima Kerry Anne Wells venceu a atriz brasileira Rejane Vieira da Costa, na finalíssima.
Após a vitória, alguns resultados medianos esparsos vieram nos anos seguintes até o país voltar a ser plenamente um coadjuvante na disputa. Entre 1989 e 1997 – quando também esteve ausente em algumas edições, novos resultados mornos, com alguns prêmios de consolação e tops.
Mas, explosivamente, o país retorna ao topo em 2004, quando Jennifer Hawkins e seu rebolado marcante, para além da sensualidade cortante de seu vestido, superou favoritas como a norte-americana Shandi Finessey e a porto-riquenha Alba Reyes e venceu a disputa, polemicamente.
Desde então, o país vem galgando posições e, especialmente a partir de 2008, vem obtendo resultados expressivos, semelhantes às vésperas da eleição de Kerry Anne Wells. Em 2008, Laura Dundovic foi mais longe do que devia e petiscou classificações até o Top 10. Em 2009, Rachael Finch galopou até o quarto lugar (para muitos, deveria ter vencido; suas notas eram altíssimas, apesar se sua beleza ser considerada comum). Mas em 2010 Jesinta Campbell foi ainda mais longe, beliscando o terceiro posto, além do prêmio de Miss Simpatia.
Com resultados tão fortes, não surpreenderia que a força do concurso deslanchasse na ilha-continente e que, em breve, o país levasse mais uma coroa para a Oceania.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Miss Universo e a lógica cultural do capitalismo tardio
A Organização Miss Universo, marca que o magnata Donald Trump carrega em suas mãos midiáticas desde 1996 e que foi totalmente remodelada e modernizada para responder aos novos interesses da indústria do entretenimento, é também detentora do Miss USA e Miss Teen USA. Tratam-se de concursos absolutamente alinhados à lógica cultural do capitalismo tardio, com forte apelo econômico e plano de marketing detalhadamente cumprido, para transmissão mundial a partir da emissora televisiva matriz (de início, a CBS; atualmente, a NBC).
Um rigoroso planejamento se cumpre, conforme os interesses de patrocinadores que buscam expandir internacionalmente as fronteiras de seus produtos. As cidades-sede do certame são escolhidas com suficiente antecedência e respondem a uma longa agenda de exigências, para que o espetáculo possa alcançar os parâmetros mínimos definidos por aqueles que têm a sua marca exposta mundialmente. De início, quando o concurso pertencia à empresa de roupas Pacific-Mills, os maiôs Catalina centralizavam a propaganda. Atualmente, muitas marcas dividem seu espaço ali, assumindo a beleza das concursantes como vitrines para produtos como CHI (para cabelos), Sherri Hill (vestidos) ou Mikimoto (design de jóias).
Entretanto, mais do que o fenômeno espetacular patrocinado, que em nada se diferencia de outros eventos de mídia, está na absoluta incorporação de valores do capitalismo competitivo que caracterizam o ponto nevrálgico da coisa. Desde a competição deliberada, que anseia por promover a figura que individualmente se destaca das demais, até a elegia descarada aos valores do consumismo desenfreado, o concurso é uma Babel que visa a promoção do sentido mais profundo da lógica liberal, das suas estratégias de lucro mais safadas até a sofisticada produção de matéria simbólica, em sua ideologia narcísica e diferenciadora dos que podem consumir.
A partir de 2008, Las Vegas tem sido escolhida como sede do concurso Miss USA e, diante das dificuldades em superar a crise econômica mundial – cidades da Croácia, da Bolívia e até da china tentaram, mas esbarraram no pesado investimento –, também o Miss Universo se realizou na cidade dos sonhos do capitalismo em 2010. Em seus resorts e cassinos de primeira linhagem, a vida de sonho levada pelas misses durante seu breve encanto de Cinderela é apresentada ao público em sua máxima dimensão de glamour e de luxo desenfreado. A cidade aparece com seus luminosos vertiginosos e as misses passeiam exaustivamente, para mostrar espetáculos, restaurantes, lojas, piscinas e demais acessórios destes hotéis de altíssimo padrão.
Os valores disseminados ali são os que sublinham a necessidade do turismo de compras e de jogatinas, ficando para segundo plano o aspecto cultural que a experiência de uma viagem pode provocar. O que se deseja mostrar é o funcionamento no interior dos grandes resorts, com seus aquários de tubarões, seus shows, suas construções monumentais que imitam e substituem, com o efeito de pastiche, cenários virtuais e/ou kitsch que mimetizam a aparência de grandes civilizações da Antiguidade Clássica, por exemplo. Os salões de jogos e a futilidade das escadas rolantes desempenham papel central e configuram uma imagem de felicidade absolutamente atrelada ao consumo.
Quando os concursos acontecem na Ásia (onde há uma tara fanática por competições de auditório de todo tipo, especialmente as de beleza), tenta-se maquiar o traço consumista fabricando uma superfície que aparenta ser uma experiência cultural, intelectual ou espiritual. As misses vão aos templos tailandeses com vestidos curtos, brincam com animais exóticos vietnamitas que só existem em zoológicos ou passeiam pelas praias de Cingapura como se vivessem em um filme de aventura. Em tudo, o concurso cria uma grande mentira para satisfazer as estratégias de marketing. Para dar conta da maratona, as misses dormem em média 4 horas por noite e tem compromissos em todos os períodos do dia.
Durante a transmissão do concurso, clipes que visam amplificar o alcance turístico da cidade-sede são mostrados incessantemente – com passeios da Miss Universo que ora se despede da coroa e toda uma parafernália que faz a vida parecer uma eterna brincadeira durante as férias, em um filme de adolescentes gringos. Fora isso, há a aposta da indústria fonográfica, com apresentações de grandes nomes que ali despontam mundialmente. Em 2008, Lady Gaga cantou para os desfiles vitoriosos de Dayana Mendoza e Taliana Vargas. Ricky Martin, Gloria Stefan, RDB e os projetos de alta vendagem já estiveram presentes em concursos anteriores.
Em algumas edições, a simples presença de Billy Bush como apresentador da noite fornece indícios bem fortes do significado pleno do concurso para a construção de imagens pop do presente. Billy Bush, sobrinho de George W. Bush e neto do Bush-pai, ambos ex-presidentes dos Estados Unidos e vorazes representantes dos interesses financeiros mais detestáveis que se tem notícia, emerge em cena como um simpático hostess que conduz a menina escolhida até a sua coroação final. É a consagração extática da superação individual, da batalha vencida exclusivamente pela melhor, pela mais bela, pela mais desejável representante comercial que se possa imaginar, a Miss ideal de todo o Universo.
A Organização Miss Universo, marca que o magnata Donald Trump carrega em suas mãos midiáticas desde 1996 e que foi totalmente remodelada e modernizada para responder aos novos interesses da indústria do entretenimento, é também detentora do Miss USA e Miss Teen USA. Tratam-se de concursos absolutamente alinhados à lógica cultural do capitalismo tardio, com forte apelo econômico e plano de marketing detalhadamente cumprido, para transmissão mundial a partir da emissora televisiva matriz (de início, a CBS; atualmente, a NBC).
Um rigoroso planejamento se cumpre, conforme os interesses de patrocinadores que buscam expandir internacionalmente as fronteiras de seus produtos. As cidades-sede do certame são escolhidas com suficiente antecedência e respondem a uma longa agenda de exigências, para que o espetáculo possa alcançar os parâmetros mínimos definidos por aqueles que têm a sua marca exposta mundialmente. De início, quando o concurso pertencia à empresa de roupas Pacific-Mills, os maiôs Catalina centralizavam a propaganda. Atualmente, muitas marcas dividem seu espaço ali, assumindo a beleza das concursantes como vitrines para produtos como CHI (para cabelos), Sherri Hill (vestidos) ou Mikimoto (design de jóias).
Entretanto, mais do que o fenômeno espetacular patrocinado, que em nada se diferencia de outros eventos de mídia, está na absoluta incorporação de valores do capitalismo competitivo que caracterizam o ponto nevrálgico da coisa. Desde a competição deliberada, que anseia por promover a figura que individualmente se destaca das demais, até a elegia descarada aos valores do consumismo desenfreado, o concurso é uma Babel que visa a promoção do sentido mais profundo da lógica liberal, das suas estratégias de lucro mais safadas até a sofisticada produção de matéria simbólica, em sua ideologia narcísica e diferenciadora dos que podem consumir.
A partir de 2008, Las Vegas tem sido escolhida como sede do concurso Miss USA e, diante das dificuldades em superar a crise econômica mundial – cidades da Croácia, da Bolívia e até da china tentaram, mas esbarraram no pesado investimento –, também o Miss Universo se realizou na cidade dos sonhos do capitalismo em 2010. Em seus resorts e cassinos de primeira linhagem, a vida de sonho levada pelas misses durante seu breve encanto de Cinderela é apresentada ao público em sua máxima dimensão de glamour e de luxo desenfreado. A cidade aparece com seus luminosos vertiginosos e as misses passeiam exaustivamente, para mostrar espetáculos, restaurantes, lojas, piscinas e demais acessórios destes hotéis de altíssimo padrão.
Os valores disseminados ali são os que sublinham a necessidade do turismo de compras e de jogatinas, ficando para segundo plano o aspecto cultural que a experiência de uma viagem pode provocar. O que se deseja mostrar é o funcionamento no interior dos grandes resorts, com seus aquários de tubarões, seus shows, suas construções monumentais que imitam e substituem, com o efeito de pastiche, cenários virtuais e/ou kitsch que mimetizam a aparência de grandes civilizações da Antiguidade Clássica, por exemplo. Os salões de jogos e a futilidade das escadas rolantes desempenham papel central e configuram uma imagem de felicidade absolutamente atrelada ao consumo.
Quando os concursos acontecem na Ásia (onde há uma tara fanática por competições de auditório de todo tipo, especialmente as de beleza), tenta-se maquiar o traço consumista fabricando uma superfície que aparenta ser uma experiência cultural, intelectual ou espiritual. As misses vão aos templos tailandeses com vestidos curtos, brincam com animais exóticos vietnamitas que só existem em zoológicos ou passeiam pelas praias de Cingapura como se vivessem em um filme de aventura. Em tudo, o concurso cria uma grande mentira para satisfazer as estratégias de marketing. Para dar conta da maratona, as misses dormem em média 4 horas por noite e tem compromissos em todos os períodos do dia.
Durante a transmissão do concurso, clipes que visam amplificar o alcance turístico da cidade-sede são mostrados incessantemente – com passeios da Miss Universo que ora se despede da coroa e toda uma parafernália que faz a vida parecer uma eterna brincadeira durante as férias, em um filme de adolescentes gringos. Fora isso, há a aposta da indústria fonográfica, com apresentações de grandes nomes que ali despontam mundialmente. Em 2008, Lady Gaga cantou para os desfiles vitoriosos de Dayana Mendoza e Taliana Vargas. Ricky Martin, Gloria Stefan, RDB e os projetos de alta vendagem já estiveram presentes em concursos anteriores.
Em algumas edições, a simples presença de Billy Bush como apresentador da noite fornece indícios bem fortes do significado pleno do concurso para a construção de imagens pop do presente. Billy Bush, sobrinho de George W. Bush e neto do Bush-pai, ambos ex-presidentes dos Estados Unidos e vorazes representantes dos interesses financeiros mais detestáveis que se tem notícia, emerge em cena como um simpático hostess que conduz a menina escolhida até a sua coroação final. É a consagração extática da superação individual, da batalha vencida exclusivamente pela melhor, pela mais bela, pela mais desejável representante comercial que se possa imaginar, a Miss ideal de todo o Universo.
domingo, 12 de setembro de 2010
A possessão da faixa pesada porto-riquenha
Quando, em 2010, Mariana Paola Vicente chega ao concurso Miss Universo como favorita, alcança sua pré-classificação apesar da ousadia de apresentar cabelos rebeldes, e deixa a todos insatisfeitos por não passar do Top 10 – esperava-se dela ao menos que fosse até o Top 5, como fizeram as últimas porto-riquenhas pré-classificadas, é porque o peso da faixa de Porto Rico se tornou inegável.
Isso, é claro, foi conquistado com o suor de uma ação lentamente como uma construção histórica. Pois não foi apenas a transferência de renda, aumentada drasticamente a partir de 1970 (chegando a configurar 20% da riqueza pessoal vinda diretamente do governo federal norte-americano), que criou e estimulou uma relação de dependência econômica absolutamente ambígua para o Estado Livre Associado de Porto Rico, em relação aos EUA.
Os interesses estratégicos norte-americanos na região do Caribe também presentearam sua possessão com a primeira Miss Universo, Marisol Malaret, exatamente deste mesmo ano de 1970. Até então, Porto Rico sequer havia classificado uma candidata para semifinais, tendo uma participação mais do que discreta – com um único prêmio de Miss Simpatia para Mapita Mercado, em 1957.
E, de 1970 para cá, as coisas mudariam bastante. Primeiro, porque a relação de dependência econômica dos porto-riquenhos em relação ao estado se ampliou vertiginosamente. Embora a indústria da menor ilha dentre as quatro Grandes Antilhas seja bastante diversificada e vetor de forte investimento por parte dos EUA, há uma situação perversa que alimenta uma situação de permanente dependência – já que 30% dos empregos chegam a ser oferecidos pelo governo estadunidense, a quem Porto Rico ainda pertence, ainda que de forma semi-autônoma.
E, segundo, porque os signos de fortalecimento das aparências têm se ampliado na mesma medida em que se deseja calar qualquer sensação de insatisfação política que busque a independência. Em 3 ocasiões, o povo porto-riquenho votou em plebiscitos que definiram a continuidade da relação de dependência política. Neste sentido, os investimentos na indústria de entretenimento fizeram radical diferença para a constituição de uma auto-imagem melhorada em relação ao fato de que, apesar de ter a melhor situação financeira do Caribe, o país ainda tenha produção de renda inferior à metade da do estado norte-americano mais pobre.
No campo do entretenimento alienante, não só o Menudo (grupo musical/boy-band de onde surgiu Ricky Martin e que foi fenômeno de venda de discos nos anos 1980), mas também as misses começaram a figurar em primeiro plano, de forma pesada, transformando Porto Rico em uma grande potência do Mundo Miss. Não coincidentemente, junto com a explosão do Menudo, a ilha conseguiu alcançar novamente o posto principal do Miss Universo, com a vitória (para muitos injusta) de Deborah Carthy-Deu, em 1985.
A escalada de importância dos concursos vai se dando de forma gradativa, a partir de 1993, com a também surpreendente vitória de Dayanara Torres no Miss Universo. Configurando nova realidade midiática, Porto Rico entra para o primeiro escalão do mundo. De lá pra cá, em 18 competições, as misses Porto Rico classificaram-se em 11 edições.
Era a maquiagem que modificava o campo das aparências do pequeno país (em crise financeira e dependência política) em potência na produção de ícones pop latinos. Os concursos de beleza se tornaram febre nacional (votações na internet garantiram 5 prêmios de Miss Fotogenia em 6 anos, de 1999 a 2004) e a participação competitiva ganhou outro status.
As vitórias de Denise Quiñones em 2001 e de Zuleyka Rivera em 2006 lançaram Porto Rico às alturas da Venezuela e dos EUA. Além delas, divas mundiais, também Cynthia Olavarria conquistou o segundo posto em 2005 e foi aclamada como uma das melhores misses de todos os tempos, tendo perdido para a inquestionável Natalie Glebova.
Mas os bons resultados eram ainda mais evidentes: Joyce Giraud em 1998 e Alba Reyes em 2004 foram terceiras colocadas; Mayra Matos Perez, em 2009, e Laurie Simpson Rivera, em 1987, conseguiram a honrosa quinta posição.
Para além das vitórias, a não-classificação de algumas de suas candidatas gerou verdadeira comoção entre fãs e indignação entre especialistas, que esperam sempre das representantes de Porto Rico a continuação do efeito inflacionário realizado pelo peso da faixa. Quando, em 2008, Ingrid Rivera – apontada como franca favorita ao título, ao lado da veneca Dayana Mendoza – não conseguiu pré-classificação, a incompreensão tomou sites e redes sociais, que discutiram incansavelmente o assunto.
Uma Miss Porto Rico é sempre percebida e observada com atenção, a despeito da pouquíssima, ou nenhuma, importância real da nação (colônia?) de onde vem. É resultado de um cuidadoso agenciamento de marketing político.
Se foram polêmicas as ações do FBI no arquipélago que forma Porto Rico (com assassinato de líderes rebeldes e supressão de oposição política), a produção de signos patrióticos se desdobrou especialmente a partir do ano 2000, criando uma imagem internacional bem-sucedida para um território que, apesar dos bons índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), padece de falta de autonomia e serve a interesses bélicos e estratégicos norte-americanos, que mantém a vida econômica da ilha e que, não casualmente, também são os “donos” do concurso Miss Universo.
Quando, em 2010, Mariana Paola Vicente chega ao concurso Miss Universo como favorita, alcança sua pré-classificação apesar da ousadia de apresentar cabelos rebeldes, e deixa a todos insatisfeitos por não passar do Top 10 – esperava-se dela ao menos que fosse até o Top 5, como fizeram as últimas porto-riquenhas pré-classificadas, é porque o peso da faixa de Porto Rico se tornou inegável.
Isso, é claro, foi conquistado com o suor de uma ação lentamente como uma construção histórica. Pois não foi apenas a transferência de renda, aumentada drasticamente a partir de 1970 (chegando a configurar 20% da riqueza pessoal vinda diretamente do governo federal norte-americano), que criou e estimulou uma relação de dependência econômica absolutamente ambígua para o Estado Livre Associado de Porto Rico, em relação aos EUA.
Os interesses estratégicos norte-americanos na região do Caribe também presentearam sua possessão com a primeira Miss Universo, Marisol Malaret, exatamente deste mesmo ano de 1970. Até então, Porto Rico sequer havia classificado uma candidata para semifinais, tendo uma participação mais do que discreta – com um único prêmio de Miss Simpatia para Mapita Mercado, em 1957.
E, de 1970 para cá, as coisas mudariam bastante. Primeiro, porque a relação de dependência econômica dos porto-riquenhos em relação ao estado se ampliou vertiginosamente. Embora a indústria da menor ilha dentre as quatro Grandes Antilhas seja bastante diversificada e vetor de forte investimento por parte dos EUA, há uma situação perversa que alimenta uma situação de permanente dependência – já que 30% dos empregos chegam a ser oferecidos pelo governo estadunidense, a quem Porto Rico ainda pertence, ainda que de forma semi-autônoma.
E, segundo, porque os signos de fortalecimento das aparências têm se ampliado na mesma medida em que se deseja calar qualquer sensação de insatisfação política que busque a independência. Em 3 ocasiões, o povo porto-riquenho votou em plebiscitos que definiram a continuidade da relação de dependência política. Neste sentido, os investimentos na indústria de entretenimento fizeram radical diferença para a constituição de uma auto-imagem melhorada em relação ao fato de que, apesar de ter a melhor situação financeira do Caribe, o país ainda tenha produção de renda inferior à metade da do estado norte-americano mais pobre.
No campo do entretenimento alienante, não só o Menudo (grupo musical/boy-band de onde surgiu Ricky Martin e que foi fenômeno de venda de discos nos anos 1980), mas também as misses começaram a figurar em primeiro plano, de forma pesada, transformando Porto Rico em uma grande potência do Mundo Miss. Não coincidentemente, junto com a explosão do Menudo, a ilha conseguiu alcançar novamente o posto principal do Miss Universo, com a vitória (para muitos injusta) de Deborah Carthy-Deu, em 1985.
A escalada de importância dos concursos vai se dando de forma gradativa, a partir de 1993, com a também surpreendente vitória de Dayanara Torres no Miss Universo. Configurando nova realidade midiática, Porto Rico entra para o primeiro escalão do mundo. De lá pra cá, em 18 competições, as misses Porto Rico classificaram-se em 11 edições.
Era a maquiagem que modificava o campo das aparências do pequeno país (em crise financeira e dependência política) em potência na produção de ícones pop latinos. Os concursos de beleza se tornaram febre nacional (votações na internet garantiram 5 prêmios de Miss Fotogenia em 6 anos, de 1999 a 2004) e a participação competitiva ganhou outro status.
As vitórias de Denise Quiñones em 2001 e de Zuleyka Rivera em 2006 lançaram Porto Rico às alturas da Venezuela e dos EUA. Além delas, divas mundiais, também Cynthia Olavarria conquistou o segundo posto em 2005 e foi aclamada como uma das melhores misses de todos os tempos, tendo perdido para a inquestionável Natalie Glebova.
Mas os bons resultados eram ainda mais evidentes: Joyce Giraud em 1998 e Alba Reyes em 2004 foram terceiras colocadas; Mayra Matos Perez, em 2009, e Laurie Simpson Rivera, em 1987, conseguiram a honrosa quinta posição.
Para além das vitórias, a não-classificação de algumas de suas candidatas gerou verdadeira comoção entre fãs e indignação entre especialistas, que esperam sempre das representantes de Porto Rico a continuação do efeito inflacionário realizado pelo peso da faixa. Quando, em 2008, Ingrid Rivera – apontada como franca favorita ao título, ao lado da veneca Dayana Mendoza – não conseguiu pré-classificação, a incompreensão tomou sites e redes sociais, que discutiram incansavelmente o assunto.
Uma Miss Porto Rico é sempre percebida e observada com atenção, a despeito da pouquíssima, ou nenhuma, importância real da nação (colônia?) de onde vem. É resultado de um cuidadoso agenciamento de marketing político.
Se foram polêmicas as ações do FBI no arquipélago que forma Porto Rico (com assassinato de líderes rebeldes e supressão de oposição política), a produção de signos patrióticos se desdobrou especialmente a partir do ano 2000, criando uma imagem internacional bem-sucedida para um território que, apesar dos bons índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), padece de falta de autonomia e serve a interesses bélicos e estratégicos norte-americanos, que mantém a vida econômica da ilha e que, não casualmente, também são os “donos” do concurso Miss Universo.
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