quinta-feira, 22 de julho de 2010

Paraísos turísticos

Ano após ano, o desfile de trajes típico da Parada das Nações do concurso Miss Universo está repleto de candidatas que representam pequenas repúblicas de pouca ou nenhuma expressão no cenário internacional. Invariavelmente, desaparecem em seguida no coro de muitas candidatas, não obtêm classificações importantes e têm, neste primeiro desfile, o único espaço para sua aparição.



Então, uma pergunta inevitável se faz: por que enviam, todos os anos, suas meninas para concorrerem, sem muita chance de sucesso (elas quase nunca estão em acordo com os exigentes padrões estéticos de altura, peso e etiqueta internacionais), países insulares como Turks & Caicos, Reunião ou Cayman?

A resposta filantrópica, apesar de sedutora, não parece ser a mais esperta: de fato, não deve ser para que uma de suas belas garotas consiga um passaporte vip para um intercâmbio de luxo com outras civilizações e culturas, conheça o exterior e adquira um tipo de conhecimento de outra forma inalcançável para sua população quase sempre pobre.


Os dias de princesa de um concurso deste nível realmente existem: visitas a museus, roupas caras e hotel de luxo, além de uma rotina estressante de ensaios e entrevistas, passeios sempre vigiados por câmeras e sorrisos – ainda que forçados – para sair bem na transmissão mundial. Contudo, as razões políticas para a manutenção deste caro empreendimento é outro, muito mais ligado à economia do que à filantropia ou à cultura.

Durante os anos 1980, quando as misses ainda tinham voz própria para falar com a platéia ao vivo, nas Paradas das Nações coreografadas com riqueza e narradas por Bob Barker, a explicação era mais visível: as misses aproveitavam o instante de fama para falar ao mundo que vinham de ilhas paradisíacas, cheias de atrativos turísticos que viam na transmissão em rede mundial um bom espaço de divulgação.

Uma classificação para um top, como aconteceu com Thilda Fuller, Miss Tahiti 1980 ou com Tatiana Teraiamano, a nervosa e despreparada (além de belíssima) representante das mesmas ilhas em 1981; era já um evento memorável para a propaganda turística de um pequeno país como este (à época, Tahiti ainda não era considerado território francês).

Antigua & Barbuda, Mauritius, Barbados, Martinica e muitos outros destinos de viagem nunca conseguiram emplacar sequer um Top ou um prêmio de consolação. Mas em anos consecutivos enviaram candidatas e viram nisso uma oportunidade rara de divulgação. Alguns discursos das misses comprovam esta tese. Não raro, durante a Parada das Nações, quando não podiam ser cortadas (isso era ao vivo, antigamente), elas desembestavam a falar dos adjetivos ensolarados, hospitaleiros e tropicais de suas pequenas e desconhecidas pátrias.


Até mesmo as ilhotas caribenhas de Bahamas, paraíso que já teve inclusive a honra de sediar o concurso, incorrem no exemplo clássico e nunca conseguiram uma única classificação em todas as edições do torneio. Um prêmio de Miss Simpatia e outra consolação acolá. Nada mais para as Bahamas...

Em ocasiões excepcionais, como a confirmar a regra, uma ou outra chegava longe. Algumas, de tempos em tempos, chegaram à segunda colocação, mas nunca à vitória. Em 1982, Patty Chong Kerkos, uma pequenina Miss Guam de traços polinésios chegou à final com notas altíssimas, mas foi derrotada por uma canadense. Guam nunca ficou tão conhecida e jamais chegou tão perto da coroa.

Casos semelhantes ocorreram com a Miss Bermuda de 1979, Gina Swaison – que após perder no último momento a coroa, foi eleita Miss Mundo, tão bela que era; ou com Taryn Scheryl Mansell, Miss Aruba 1996. Ambas perderam seus títulos para venezuelanas, em decisões consideradas polêmicas por defensores da beleza incomum, nativa, fora dos padrões Barbie. Também Yendi Phillips, Miss Jamaica 2010, foi derrotada pela mexicana Jimena Navarrete após ter se destacado durante toda a competição e ter somado a maior pontuação do concurso.



Nestes exemplos, embora a frustrante derrota possa ter trazido amargos sabores aos que enxergam os concursos como espaços de exaltação da beleza feminina, a vitória comercial dá ao empreendimento turístico um fôlego novo, que faz com que, ainda hoje, quando as misses não podem mais falar o que bem querem ao vivo e mundialmente, estes investimentos continuem sendo considerados lucrativos.

Para os mais intransigentes, tais resultados indicam posturas intolerantes e até racistas. Para os que transigem com o marketing, as estratégias contam outras histórias, de final feliz mesmo nas mais árduas derrotas.


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