domingo, 8 de agosto de 2010

Popularidade filipina - a temida Era Marcos



Em 2010, circulou pela internet um vídeo em que 4 jovens filipinos, fanáticos por concursos de miss, assistem pela TV ao anúncio do top 15. Pelas reações de cada um deles, parecem conhecer os bastidores do concurso e, supõe-se, acompanham as candidatas previamente em sites, voys e em outros mecanismos de mídia social. Percebe-se isso porque distinguem as “faixas pesadas” do concurso (Venezuela, Porto Rico e USA) e também as consideradas favoritas do ano (Irlanda, Rússia e Jamaica).

Comentam criticamente a classificação de cada delegação, aplaudem como se estivessem in loco e demonstram que estão nervosíssimos. Esperam ansiosamente pelo chamado da estonteante morena Maria Venus Raj, Miss Filipinas 2010, a última a ser nomeada semifinalista. Quando a apresentadora convoca a representante de sua torcida, eles imediatamente iniciam uma gritaria e passam a pular como malucos, rezam, choram, jogam travesseiros para o alto.

Esta é a descrição sumária de como os concursos de beleza são recebidos na Ásia, especialmente em países como Filipinas, Tailândia, China e Japão. Seguiremos tratando das Filipinas, embora em 2010 os internautas da Tailândia tenham superado os filipinos e conquistado, consecutivamente, pela quantidade de cliques, os títulos de Melhor Traje Típico e Melhor Fotogenia para a sua bela miss de 2010, Fonthip Watcharatrakul.



Nos últimos 10 anos, as Filipinas conquistaram por 3 vezes seguidas o posto de Miss Fotogenia, um prêmio de consolação dado no concurso Miss Universo e que é determinado pela votação de internautas, no único processo decidido pela interatividade na atual forma de disputa.

Em 2005, 2006 e 2007, o único diferencial alcançado pelas representantes filipinas se deu devido à imensa popularidade que o concurso guarda naquele país, herança de áureos tempos, em que a beleza da mulher filipina era uma potência ao mesmo tempo exótica e classuda.

Mas não se trata somente disso: de beleza. De 1965 a 1986, período coincidente com o governo ditatorial de Ferdinand Marcos, os concursos de beleza se tornaram um forte componente de fortalecimento da auto-imagem filipina e sinal claro de uma política populista coordenada por sua esposa, a colecionadora de sapatos e ex-miss Imelda Marcos.

Quando as Filipinas sediaram o concurso Miss Universo, em 1974, Imelda mandou que fossem pintadas as fachadas das ruas de Manilla, para receber visitantes e dar demonstrações de boas-vindas que se tornaram famosas, devido aos vultosos gastos com aparências que chegariam ao mundo através da recente TV à cores.



Imelda Marcos competiu em concursos de beleza anteriores à primeira versão do Miss Universo. Mas, assim que assumiu com o marido o poder nas Filipinas, o investimento econômico visando obter boas colocações se torna evidente. Tanto quanto sua elegante coleção de milhares de sapatos, o ritual da beleza se torna ostensivo.

Isso inclui uma famosa fotografia, lado a lado, com a Miss Universo eleita em Manilla, em 1974, a espanhola Amparo Muñoz, considerada por muitos especialistas a mais inesquecível beleza coroada de todos os tempos. Amparo Muñoz seria depois também conhecida por desdenhar do concurso, ao abandonar seus compromissos como Miss Universo e ser, então, destituída do cargo.



Mas durante o governo dos Marcos, as Filipinas conseguiram classificações para os tops finais em 9 ocasiões, ultrapassando as semifinalistas e chegando ao top 5 em 6 oportunidades, revelando muito mais apreço à coroa que Amaparo Muñoz. Sobretudo, arrebataram a vitória em 1969, com a pequena Gloria Diaz (que abateu a Miss Brasil Vera Fischer), e em 1973, com a inesquecível Margarita Moran, vencedora também do prêmio de Fotogenia de seu ano.

Tais feitos são impressionantemente mais expressivos do que os atuais prêmios de consolação garimpados por um público saudoso e apaixonado por suas misses e que passa noites inteiras conectado à internet, para votar em sites especializados repetidas e incansáveis vezes.



Após este período de ouro, profundamente ligado à força política do regime autoritário e a seus métodos de propaganda e de eugenia (construção de uma imagem bela e limpa para a nação), os resultados decaíram bastante. Apenas em 1999, a belíssima Miriam Quimbao, favoritíssima à vitória, chegou ao vice-campeonato, ao ser surpreendida pela espontaneidade vitoriosa da Miss Botswana, Mpule Kwelagobe.



Miriam Quimbao é sempre lembrada como uma das mais injustiçadas concorrentes à coroa do Miss Universo. Sua elegância clássica fazia lembrar os tempos antigos. Colaborou para reativar nos ânimos dos filipinos a memória de um tempo em que o país estava sempre no topo, apesar dos horrores cometidos por seus governantes.

Como marco de festividade para a frustrante derrota por um triz, quando o tri-campeonato parecia irrevogável, uma boneca Barbie em homenagem a Miriam Quimbao foi criada, já com uma faixa em que a premiação de “melhor corpo” vinha explicitada, como um sutil comentário irônico em relação à incoerência dos jurados.




Também Charlene Gonzáles alcançou o Top 6 em 1994 e ganhou como Melhor Traje Típico. Mas neste caso, voltamos à média dos países medianos, que um ano em algumas décadas, consegue emplacar uma ou outra posição de relevância.

A extravagante e escandalosa Maria Venus Raj, candidata de 2010, originária do Qatar mas que disputou o Miss Universo pelas Filipinas também alcançou posição notável, com sua 4ª. colocação. Durante o concurso, o passado filipino foi evocado e Venus chegou a disparar como favorita, especialmente porque seu discurso de “moça pobre que venceu” e chegou à universidade parecia emplacar. Mas foi fogo de palha. Os tempos de Imelda ficaram para trás.


Entretanto, ainda hoje, quando as filipinas se apresentam com trajes típicos, invariavelmente evocam os vestidos de mangas pontudas e a sombrinha da terrível Imelda Marcos.

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