domingo, 29 de agosto de 2010

Brasil: ame-as ou as deixe fora do top 15


Exatamente um mês antes da morte de Getúlio Vargas, no dia 24 de julho de 1954, a mítica baiana Martha Rocha perdia, pelas (hoje em dia refutadas) 2 polegadas, a primeira disputa do concurso Miss Universo de que o Brasil participava, em sua versão que se tornou oficial a partir de 1952.

Eram os anos pré-Brasília (era de ouro do populismo radicalizado pelo getulismo), que projetavam para o futuro próximo a construção de uma imagem moderna para o Brasil. As rainhas da beleza, logo tornadas populares depois de Martha Rocha, eram figuras estratégicas para este projeto.

Não foi por acaso, então, que o vice-campeonato de Martha Rocha (um equivalente traumático à derrota da Copa de 1950, no Maracanã) tornou-se um emblema do inconformismo nacionalista, a reclamar com explícito revanchismo a reparação de uma injustiça cometida contra a nação em construção.


A partir daí, o concurso se torna uma febre – praticamente um ícone dos anos 1950/60. A canção de Lourival Faissal, eternizada pela voz de Ellen de Lima, intitulada Canção das Misses transforma-se em uma referência patriótica do primeiro escalão. A federação se apresenta, primeiro no Palácio Quitandinha, em Petrópolis, mais tarde no Maracanãzinho lotado, com a finalidade de consolidar o verde-amarelismo apaixonado nas capas das revistas Cruzeiro e, depois, Manchete.

Com patrocínio dos Diários Associados, o concurso seria transferido para Brasília em 1973 – porque as conexões aéreas entroncavam-se ali e porque, politicamente, a aproximação da imagem do Presidente com as misses era mais do que desejável. Apenas Ernesto Geisel tinha antipatia por elas e se recusou a recebê-las em 1974.

Coincidência ou não, este foi exatamente um dos únicos 3 anos em que o Brasil não conseguiu classificação como semifinalista do concurso, desde a sua primeira participação. Além de Sandra Guimarães, Miss Brasil 1974, apenas Staël Abelha (1961) e Ana Cristina Ridzi (1966) frustraram as exigentes expectativas do povo brasileiro e ficaram de fora dos tops, desde 1954 até 1975.


Curiosamente, quando o poder se afasta do concurso, há conseqüente perda de popularidade pelo concurso de o Brasil não consegue mais classificações seguidamente em 1976, 1977 e 1978. A fase de apogeu, nos anos 1960, já não existe mais e uma chuva de críticas feministas começa a pesar sobre o concurso, que passa a ser visto como fútil e politicamente vinculado ao poder constituído.

As esquerdas tinham suas razões: assim como 1970 tinha sido um ano decisivo para a propaganda do regime militar instaurado como ditadura desde 1964, com a vitória da Copa do Mundo, o terrível ano de 1968 tinha sido (des-)fechado com ultra-autoritário o Ato Institucional no. 5 de 13 de dezembro – exatamente 6 meses após a coroação de outra baiana, Martha Vasconcellos, como a segunda Miss Universo do país – justamente em 13 de julho do mesmo ano. Antes dela, a coroação de Ieda Maria Vargas em 1963 também era vista com desconfiança, entre outras razões, por ter ocorrido às vésperas (meses antes, na verdade) do Golpe Militar de 31 de Março de 1964.


Fora estas duas vitórias internacionais (únicas na trajetória do país neste concurso – embora em 1971 Lucia Petterle, segunda colocada no Miss Brasil tenha sido eleita também Miss Mundo), outras excelentes colocações foram constantes, de 1954 até 1981, quando a nascente emissora SBT, pelas mãos de seu criador Sílvio Santos (o mesmo que veiculava com tom ufanista a pelega programação A Semana do Presidente, em plena ditadura), comprou os direitos de transmissão e de organização do concurso Miss Brasil.


Só de segundos lugares, como a evocar em eco a frustrante derrota de Martha Rocha, Terezinha Morango e Adalgisa Colombo (chamada pela imprensa “a inesquecível”, com seu desfile arrojado e moderno) repetiram a dose em 1957 e 1958, respectivamente. Rejane Vieira da Costa repetiu a dose em 1972, fato somente igualado em 2007, pela mineira Natália Guimarães.

Não houve terceiras colocações, mas outras posições no top 5 também ocorreram em 1979, com a potiguar Martha Jussara da Costa, e em 1981, com Adriana Alves de Oliveira (também eleita Miss Mundo Brasil por Sílvio Santos em 1984 e, posteriormente, esposa do famoso Salvatore Cacciola, responsável por um dos maiores rombos financeiros no governo FHC), quartas posições arrancadas ainda durante o regime militar. Em quintos lugares, ficaram também Vera Regina Ribeiro, em 1959, Maria Olívia Rebouças Cavalcanti, em 1962, e Eliane Guimarães, em 1971.

Após a abertura política, as classificações foram se escasseando paulatinamente e o concurso deixou de ser o que era para se tornar uma pálida sombra dos tempos populistas e ditatoriais. De 1985 a 2010, o Brasil alcançou o top de semifinalistas apenas em ocasiões raras, grande parte delas devido à insistência de Sílvio Santos em manter viva a tocha do concurso, até 1989.


De suas mãos, também saíram a maravilhosa Celice Marques, semifinalista de 1982 – e que poderia ter ido muito longe, não tivesse se atrapalhado toda com sua espontaneidade desmedida, ao tentar falar um inglês macarrônico com o Bob Barker –, a persistente Márcia Gabrielle (décima colocada em 1985) e também, e talvez mais importante, a primeira Miss Brasil negra de todos os tempos, a gaúcha Deise Nunes, sexta colocada em 1986 – também vítima da prova de simpatia, só que desta vez pela sisudez.

Não passa despercebido o fato de que novas classificações constantes passaram a ocorrer após a vitória de Lula, com Gislaine Ferreira em 2003, e depois Rafaela Zanella e Natália Guimarães em 2006 e 2007. Para sorte de Lula e do governo petista, a desorganização do concurso, agora regido pela empresa de entretenimentos Gaeta Produções e Eventos, chega a tal ponto que as candidatas chegam no exterior absolutamente despreparadas para qualquer disputa – a não ser que tenham jogo de cintura prévio, conquistado com seu próprio suor, como foi o caso de Natália Guimarães.


Talvez Lula quisesse voltar ao tempo em que uma mulher bela como Vera Fisher (Miss Brasil 1969, apenas semifinalista no Miss Universo) era uma candidata coadjuvante no panorama mundial, e que jovens ainda mais competitivas representavam a faixa brasileira e disputavam a vitória até o páreo final, do mesmo modo como hoje o governo disputa com insistência um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas, para isso, teria que modernizar bastante o conceito de beleza de Boanerges Gaeta, o atual dono da marca Miss Brasil, que não tem conseguido emplacar misses competitivas como Dilma Roussef.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O topless e o maiô



Enquanto notícias corriam pela internet dando conta de que, pela primeira vez na história do concurso Miss Universo, 4 candidatas apresentavam suas fotos oficiais em um discreto topless, diante do cobiçadíssimo fotógrafo Fadil Berisha, as contradições se marcavam com contundência ainda mais gritante quando, na mesma competição, a Miss Indonésia 2010, uma jovem de 18 anos chamada Qory Sandioriva, recusava-se a vestir biquíni, considerado vestimenta imprópria pela religião islâmica praticada por aproximadamente 80% das pessoas de seu país.

Em respeito às tradições de seu povo, Qory Sandioriva foi fotografada com um ousado maiô, já que a religião muçulmana na Indonésia não seja tão fechada e radical quanto na maioria dos países árabes. Em geral, estes regimes teocráticos sequer permitem o envio de misses a eventos como estes e vivenciam fortes polêmicas quando a moda local indica, por exemplo, a solução do burkíni (uma pequena burka para a praia, muito adotado pelas mulheres árabes) para o lazer em áreas públicas, pois mesmo estes trajes são considerados já bastante avançadinhos.




Entretanto, mesmo algumas representantes vindas de países de tradição islâmica mais aberta, e que efetivamente enviam candidatas regularmente ao mesmo concurso, não costumam criar resistência ao biquíni e se enquadram sem problemas ao padrão ocidental praticado como dominante. As misses Egito, Turquia e Líbano de 2010, por exemple, mostraram seus corpos do mesmo modo que as demais candidatas, provavelmente tentando aparentar não haver barreiras religiosas para o desempenho até a vitória.

E isso é bastante importante, uma vez que o tema é recorrente e novamente foi abordado na Pergunta Final de 2010, prova decisiva realizada no finalíssimo Top 5, e destinada por sorteio à Miss Austrália, Jesinta Campbell. A aparência libertária, construída com cabelos desarranjados e atuais, contou pontos para dar a ela a terceira colocação no ranking decisivo, ao responder que os biquínis podem e devem ser usados em nome da liberdade de escolha da mulher contemporânea.



Contudo, misses ocidentais que trazem marcas no corpo, sejam cicatrizes ou tatuagens, gordurinhas extra ou estrias abdominais, procuram sempre esconder estas “imperfeições”. E, não raro, também desfilam de maiô, desafiando o coro. Suas razões, evidentemente, nunca são declaradas, pois revelariam o teor de ambigüidades atuantes num concurso deste porte – que em seu período clássico tinha o maiô como ícone, até os anos 1980. De lá pra cá, muita coisa mudou, e hoje só se veste maiô por razões de impedimento religioso ou por força do medo do olhar técnico do júri.

Estas são algumas fortes contradições. Mas não são todas, muito pelo contrário. Tais contradições, sempre tão flagrantes em um concurso mundial desta natureza, beiram o paroxismo quando se sabe que, embora se tenham modernizado os costumes no Ocidente, ainda se exige da miss atual, como requisito básico do concurso, um comportamento típico da mulher da década de 1950, quando o concurso foi criado. O topless ainda causa polêmica. As que se desnudaram, embora favoritas, não alcançaram sequer as pré-classificações ao Top 15. E elas ainda devem ser necessariamente solteiras, não podem estar envolvidas em escândalos; ninguém testará sua virgindade, mas continua vedada a sua escolha por tirar fotos sensuais e a maternidade é uma proibição óbvia.

São as regras, vigentes por razões meramente morais, apesar de anacrônicas, deslocadas e hipócritas. É muita contradição, porque reiteradamente misses tomadas como donas de forte apelo sexual têm obtido excelentes resultados, ano após ano. O desfile erotizado, por exemplo, deu à porto-riquenha Zuleyca Rivera o título de 2006. A passarela fashion-vulgarizada de pisoteio forte da japonesa Ryio Mori levou-a à coroa em 2007. A espontaneidade risonha e a quebra de protocolos da engraçada venezuelana Dayana Mendoza garantiram-lhe a vitória em 2008. Fora outros tantos exemplos, passíveis de serem catalogados aos quilos.



De outro lado, os pequenos escândalos cada vez mais parecem construídos e alimentados pela própria organização do concurso. As fotos com topless de Fadil Berisha, algumas com pintura corporal ostensivamente liberal, foram previamente preparadas justamente com algumas das mais badaladas candidatas presentes em Las Vegas, onde aconteceram as prévias do Miss Universo 2010.



Trinidad & Tobago, representado por LaToya Woods, foi a delegação escolhida para propagandear o hotel Mandelay Beach em sua foto oficial sem a parte de cima do biquíni. Rima Fakih, Miss USA 2010, já acumulava sobre si o escândalo das fotos praticando pole dance. A Miss Japão, Maiko Itai, despontou como a mais bem vestida com suas roupas de marcas caras e seus modelitos Gucci – é vista como “moderna e mais top model do que miss”. Mesmo assim, posou seminua e não garantiu sua classificação, como as demais.

Caso mais emblemático foi o da irlandesa Rozanna Purcell. Os valores tradicionais encontram-se tão profundamente abalados na atualidade que o destaque desta concorrente, em todas as bolsas de apostas, se deu justamente pelo modo sexy como se deixou fotografar o tempo todo, para além da sua exótica beleza facial e dos lábios carnudos. Neste turbilhão de erotismo, o maiô – que foi o máximo de despudor possível para uma concursante como a Miss Indonésia – foi escolhido como seu traje de gala, na foto oficial. Sim, seu vestido de noite – que deveria ser longo – é praticamente um vaporoso traje de banho; e isso depois de suas fotos em topless. Foi a única a praticar topless e classificar-se.

Ao vestir um dos mais comentados figurinos da edição de 2010, a Miss Irlanda trouxe consigo o relativismo de todos os modos de ser envolvidos em um concurso desta natureza, especialmente em um tempo histórico de crise de valores como este que lhe coube viver.


domingo, 8 de agosto de 2010

Popularidade filipina - a temida Era Marcos



Em 2010, circulou pela internet um vídeo em que 4 jovens filipinos, fanáticos por concursos de miss, assistem pela TV ao anúncio do top 15. Pelas reações de cada um deles, parecem conhecer os bastidores do concurso e, supõe-se, acompanham as candidatas previamente em sites, voys e em outros mecanismos de mídia social. Percebe-se isso porque distinguem as “faixas pesadas” do concurso (Venezuela, Porto Rico e USA) e também as consideradas favoritas do ano (Irlanda, Rússia e Jamaica).

Comentam criticamente a classificação de cada delegação, aplaudem como se estivessem in loco e demonstram que estão nervosíssimos. Esperam ansiosamente pelo chamado da estonteante morena Maria Venus Raj, Miss Filipinas 2010, a última a ser nomeada semifinalista. Quando a apresentadora convoca a representante de sua torcida, eles imediatamente iniciam uma gritaria e passam a pular como malucos, rezam, choram, jogam travesseiros para o alto.

Esta é a descrição sumária de como os concursos de beleza são recebidos na Ásia, especialmente em países como Filipinas, Tailândia, China e Japão. Seguiremos tratando das Filipinas, embora em 2010 os internautas da Tailândia tenham superado os filipinos e conquistado, consecutivamente, pela quantidade de cliques, os títulos de Melhor Traje Típico e Melhor Fotogenia para a sua bela miss de 2010, Fonthip Watcharatrakul.



Nos últimos 10 anos, as Filipinas conquistaram por 3 vezes seguidas o posto de Miss Fotogenia, um prêmio de consolação dado no concurso Miss Universo e que é determinado pela votação de internautas, no único processo decidido pela interatividade na atual forma de disputa.

Em 2005, 2006 e 2007, o único diferencial alcançado pelas representantes filipinas se deu devido à imensa popularidade que o concurso guarda naquele país, herança de áureos tempos, em que a beleza da mulher filipina era uma potência ao mesmo tempo exótica e classuda.

Mas não se trata somente disso: de beleza. De 1965 a 1986, período coincidente com o governo ditatorial de Ferdinand Marcos, os concursos de beleza se tornaram um forte componente de fortalecimento da auto-imagem filipina e sinal claro de uma política populista coordenada por sua esposa, a colecionadora de sapatos e ex-miss Imelda Marcos.

Quando as Filipinas sediaram o concurso Miss Universo, em 1974, Imelda mandou que fossem pintadas as fachadas das ruas de Manilla, para receber visitantes e dar demonstrações de boas-vindas que se tornaram famosas, devido aos vultosos gastos com aparências que chegariam ao mundo através da recente TV à cores.



Imelda Marcos competiu em concursos de beleza anteriores à primeira versão do Miss Universo. Mas, assim que assumiu com o marido o poder nas Filipinas, o investimento econômico visando obter boas colocações se torna evidente. Tanto quanto sua elegante coleção de milhares de sapatos, o ritual da beleza se torna ostensivo.

Isso inclui uma famosa fotografia, lado a lado, com a Miss Universo eleita em Manilla, em 1974, a espanhola Amparo Muñoz, considerada por muitos especialistas a mais inesquecível beleza coroada de todos os tempos. Amparo Muñoz seria depois também conhecida por desdenhar do concurso, ao abandonar seus compromissos como Miss Universo e ser, então, destituída do cargo.



Mas durante o governo dos Marcos, as Filipinas conseguiram classificações para os tops finais em 9 ocasiões, ultrapassando as semifinalistas e chegando ao top 5 em 6 oportunidades, revelando muito mais apreço à coroa que Amaparo Muñoz. Sobretudo, arrebataram a vitória em 1969, com a pequena Gloria Diaz (que abateu a Miss Brasil Vera Fischer), e em 1973, com a inesquecível Margarita Moran, vencedora também do prêmio de Fotogenia de seu ano.

Tais feitos são impressionantemente mais expressivos do que os atuais prêmios de consolação garimpados por um público saudoso e apaixonado por suas misses e que passa noites inteiras conectado à internet, para votar em sites especializados repetidas e incansáveis vezes.



Após este período de ouro, profundamente ligado à força política do regime autoritário e a seus métodos de propaganda e de eugenia (construção de uma imagem bela e limpa para a nação), os resultados decaíram bastante. Apenas em 1999, a belíssima Miriam Quimbao, favoritíssima à vitória, chegou ao vice-campeonato, ao ser surpreendida pela espontaneidade vitoriosa da Miss Botswana, Mpule Kwelagobe.



Miriam Quimbao é sempre lembrada como uma das mais injustiçadas concorrentes à coroa do Miss Universo. Sua elegância clássica fazia lembrar os tempos antigos. Colaborou para reativar nos ânimos dos filipinos a memória de um tempo em que o país estava sempre no topo, apesar dos horrores cometidos por seus governantes.

Como marco de festividade para a frustrante derrota por um triz, quando o tri-campeonato parecia irrevogável, uma boneca Barbie em homenagem a Miriam Quimbao foi criada, já com uma faixa em que a premiação de “melhor corpo” vinha explicitada, como um sutil comentário irônico em relação à incoerência dos jurados.




Também Charlene Gonzáles alcançou o Top 6 em 1994 e ganhou como Melhor Traje Típico. Mas neste caso, voltamos à média dos países medianos, que um ano em algumas décadas, consegue emplacar uma ou outra posição de relevância.

A extravagante e escandalosa Maria Venus Raj, candidata de 2010, originária do Qatar mas que disputou o Miss Universo pelas Filipinas também alcançou posição notável, com sua 4ª. colocação. Durante o concurso, o passado filipino foi evocado e Venus chegou a disparar como favorita, especialmente porque seu discurso de “moça pobre que venceu” e chegou à universidade parecia emplacar. Mas foi fogo de palha. Os tempos de Imelda ficaram para trás.


Entretanto, ainda hoje, quando as filipinas se apresentam com trajes típicos, invariavelmente evocam os vestidos de mangas pontudas e a sombrinha da terrível Imelda Marcos.